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segunda-feira, agosto 27, 2007


A IGUALDADE É BRANCA de Krzysztof Kieslowski


Até que uma tarde nos esbarramos, ombro no ombro, no meio de uma tempestade, na disputa pelo táxi na avenida movimentada. Sorrimos a confusão, pois o destino era o mesmo. Cavalheirismo de desconhecidos, dividimos a corrida. E a chuva forte inaugurava a igualmente forte primeira vez de ambos. A primeira voz no ouvido, o primeiro timbre grave, o primeiro hálito de hortelã, as primeiras imperfeições minúsculas, o primeiro cheiro do cabelo molhado da água da chuva, ruídos pequenos, detalhes. Conversa tímida coberta de entrelinhas. Ele sabia de mim: que eu era ator, que eu tinha uma locadora, que eu tinha um irmão, que conhecia minha sobrinha, que eu cantava no banho. Eu não sabia dele: que vai fazer engenharia, que terminou um namoro longo, que gosta de mpb e um rock pra pular, que gosta de filmes de amor e do Los Hermanos, que me viu no último show deles. Eu disse que sim, eu estava lá, noite inesquecível, por alguns dois ou três motivos. Ele lamentou o fim da banda e disse calmamente que gosta de inícios. Respondi e perguntei. Afinidades, fragmentos de duas histórias que se cruzaram dentro de um táxi. Escuta, eu também gosto de filmes de amor. Finalizar sempre foi um fantasma que nunca me deixou. Mas todo fim precisa de um fim. Quer ir pra minha casa e estourar uma pipoca, me deitar na cama e dormir abraçado? Tua beleza é tão exata que me fere, lembra do filme do Bertolucci? Não deixem que roubem a tua delicadeza. Mergulharia no vermelho da tua língua só para sentir o gosto, experimentar como seria o encontro da minha barba na tua pele macia. Eu posso ouvir um rock e pular ao teu lado, quem sabe a noite toda. Assim você me deixa entrar. Assim a gente destranca oas portas e o sorriso acontece com facilidade depois. Ou durante. Embriaguemo-nos, embora eu não precise de desculpa alguma para te querer. Bebidas e drogas são absolutamente dispensáveis, eu quero a lucidez desse momento para compreender cada expressão e cada som e cada gesto. Quero aprender o volume das tuas pernas de encontro às minhas e saber teus desejos, tuas histórias e medos. Minha história é simples, não sou de enrolar, posso simplificar em poucas frases. E passar minha mão na sua nuca, puxando teu cabelo levemente pra que reajas e me beije. E novamente me beije. Me beije. Novamente.

A igualdade hoje deveria ser vermelha.


sábado, agosto 25, 2007


FEITO CÃES E GATOS de Michael Lehmann

Eu só queria te ver. E isso você não entendeu. O que me faz lamentar um tanto, reconheço e não me deixa chateado menos ou mais do que qualquer outra atitude dessa natureza. Essa natureza de não me perceber ou não valorizar, mas essa palavra não é boa, mas não aproveitar os meus impulsos carinhosos. Onze e vinte da noite, eu saí de um ensaio no Leblon, exausto. Eu te disse que o dia de hoje seria puxado. Te soprei que estava sem ânimo para enfrentar o trabalho que me tomaria os dois turnos. Provavelmente você não ouviu. Quando é que alguém deixa o outro parecer mais importante que ele mesmo e permite a não troca? Nem tão clandestinamente, deixa o outro ir ocupando – e sua natureza é se apoderar das migalhas e dos vãos – e não sinaliza ou evidencia o fenômeno da invasão? Estar em branco sem pretensões de cores, sem a aspiração de ser escrito. Em branco porque em branco. Fato.

Quando o relógio despertou às sete da manhã, alta madrugada em dias comuns, eu abri os olhos e decidi enfrentar o fantasma do desânimo de peito aberto. Ganhei a rua e o céu sorriu azul. Não me deixei perder o controle com o trânsito, o barulho ou a ausência de boas maneiras. Não me deixei contaminar pelo não verso alheio. Trabalhei bem. Almocei bem. Resolvi problemas empilhados e me senti no meio de uma travessia em ponte longa. Sem medo do vento, da altura ou do equilíbrio inexato. Em frente, orgulhoso e sereno por ter tirado o de fora de letra quando o de dentro parece tão embaralhado. Ah moço, eu só queria te ver. E te ouvir brincar com o meu nome. Puxei o telefone assim que saí de Ipanema, pensando em te surpreender na leveza da virada da noite. Eu ia te chamar para descer, abandonar o computador por algumas horas, tomar uma cerveja e esperar o ônibus comigo. Te ouvir falar ansioso sobre o novo trabalho. Se a cerveja rendesse, eu ousaria um táxi, não sou econômico e recusaria teu convite de dormir no teu apartamento porque preciso da minha cama. Mas não deu tempo de concluir o meu desejo. Quando eu te disse para descer e me encontrar, mais uma vez ganhei ou perdi os contornos e retomei a não saudável transparência. Eu tenho um sanduíche no forno, você me disse. Eu na calçada da tua esquina e você na sua delicadeza, ainda ensaia um você vai ficar chateado porque um sanduíche...

Um sanduíche balançou os meus pequenos planos de encerrar o meu dia brindando ao coração, aos amigos, à coragem de desafiar o desânimo e seus influentes afluentes. Pão e queijo. Não sei a palavra. Não é chateado. Algo entre o frio e o invisível. O patético e o absurdo. O branco e o colorido. Mas eu não sei a palavra. E provavelmente não vou tocar nesse assunto com você e provavelmente você não vai ler o texto. Essa personagem de vítima e heroína não combina nem com os dedos dos meus pés. O fato é que eu desligaria dez mil fornos para te ver. Queimaria fornadas sem fim se alguém me surpreendesse quase no fim do dia, com um afago no canto dos olhos. Psicólogo de mim mesmo, atravesso a última parte da ponte mais frágil e sentindo com mais intensidade toda partícula adversa ou inibidora. Psicólogo de mim mesmo, reforço que do outro não se deve ou pode esperar a bola de volta. O risco do jogo não prosseguir é grande. Do outro, nada se sabe. Esse é o grande desafio e também a melhor delícia. Do umbigo é que vêm os ensinamentos. Os vícios. A matéria bruta. A matéria limpa. Os ecos. Elos. Laços. Nós. Do umbigo a gente pode falar com propriedade e autoridade. E eu te digo, no raso, que você ainda me extrai alguma literatura. Preta e branca. Nem tão fina estampa assim.

quarta-feira, agosto 22, 2007


MISS POTTER de Chris Noonan

Eu não ia escrever porque por aqui o tempo fechou de tal maneira e hoje, ao acordar, eu liguei a televisão e lá dizia o locutor da cnn que o furacão atingiu o nível cinco lá no México. Pensei que se eu atingir o nível cinco dessa confusão que me encontro, talvez o estrago chegue a proporções irreversíveis. Talvez não. Não dizem que é no meio do caos, que muita gente encontra ordem para as suas vidas? Logo depois eu tomei um banho e caí na rua para tentar chegar ao trabalho sem me atrasar, hábito que preciso mudar. Se você me perguntar eu não sei te responder exatamente, mas acredito que trabalho sete horas por dia. Sete horas por dia eu uso para que as minhas contas sejam pagas no início do mês. Isso se o meu salário não atrasar, como de fato, está atrasado, motivo principal da minha irritação constante. Que normalmente, também anula a minha intimidade com a escrita. Não o salário, ou a falta dele, mas a irritação. Irritado eu empaco, feito burro na areia molhada. Controlo a emoção para que não exploda, fagulha fácil em estágio avançado. Fogo de palha. O que preciso dizer é que faço a travessia do arame equilibrando e segurando todo e qualquer impulso. E isso não é saudável.

Eu seguro o impulso. Travo o desejo. Porque muitas vezes eu tenho vontade de parar de discutir e te arrancar um beijo só pra ver como é que a minha boca se comporta na tua. Mas tem sempre uma pedra, tem sempre um 'mas' que me congela a intenção, que faz ventar uma palavra qualquer, uma desculpa enfim para que eu pareça apenas uma pessoa comum, encontrando motivos para esses desentendimentos naturais, essas catástrofes mínimas que nos diferem e nos refletem, amém. E te encontrar hoje me fez bem. Sentar e te ouvir falar de um coração que eu sei como funciona porque também eu tenho um coração viciado. E aqui eu te confundo porque você acha que tudo o que eu escrevo é para você e talvez seja, mas nem sempre. Como uma conversa com três ou quatro. Como uma conversa comigo mesmo. Te confundo porque não estive com você hoje ou ontem e faz um tempo que não nos encontramos de verdade. Falo de carinho, de mão no cabelo, afago, quentura, ouvidos atentos, palavras na ponta da língua esperando o trampolim agir. E eu fui conferir Miss Potter que é lindo. Para mim é lindo. Tão lindo. Não me importa o mundo, as críticas, os intelectuais. Hoje é lindo, entenda. Me sensibiliza, me fornece material para acreditar que é possível e tem que ser. Não acreditar nos mataria. Logo depois eu peguei um trecho na televisão de A Dona da História e lá fui eu, fodam-se os jornais, foda-se quem odeia os filmes da Globo, eu fui. E ir assim, dentro de casa, aquela cena final de um amor chorado no meio da rua e é você quem eu quero para o resto da minha vida, uma mulher optando que quer viver a sua vida inteira com um homem e que dói sim, fazer escolhas. O abraço, as lágrimas, os sons do abraço, som de quem é humano, quem chora e gargalha, não compreende, mas sente. E é sobre isso que eu quero escrever. O sentir. Porque eu tenho vivido confusões e eu já não sei mais o que dizer ou para quem dizer. Já não me importo de escrever que talvez eu te ame e que todas as pessoas leiam. Sempre assinei os meus textos, sempre assumi as minhas merdas, mesmo no pior dos dias. Desde cedo eu aprendi que somos responsáveis pelos nossos atos. Brotem sementes ou explodam em desastres. Minha mãe me ensinou isso com um nó na garganta. Escrevo destravando. Rompendo o laço. Gritando que é difícil não saber como agir porque não sei o que sinto. E se existe algo entre nós que precisa ser resolvido é que eu preciso dar nome, explicar passo por passo, da mesma maneira que explico ao meu sobrinho como colar figurinhas no álbum, como nascem as plantas, porque é dia ou noite. O mistério, o que não tem nome, esse subjetivo me tira do eixo, me puxa o tapete. Se posso evitar essa introdução, se tudo é o que é, não me desafie, por favor. Eu quero jogar uma partida a dois. E se é apenas um, mais uma vez um, não desperdice o nosso tempo porque seria injusto conosco. Escrevo destravando, desatando, sem parar porque eu te amo pra caralho e eu quero te abraçar e eu quero te contar da minha infância, das músicas e filmes, momentos do cinema que me encantam. Eu te mostro, eu te indico, sentemos juntos. Vamos ler poesia, trechos de imortais, deixe-me saber de você, do que fazia antes da areia nos reunir. Eu quero chorar. Me deixe chorar sem pedir explicações, sem crediário ou data de vencimento. Me mostrar. Te reconhecer. Soltar o desejo, explodir o impulso, transformar-me em nós.


sábado, agosto 18, 2007

ÍDOLOS - TEMPORADA 2

Quem, de fato, me conhece, sabe do meu vício. Seja íntimo ou não, mas se participa dos meus dias, sabe da minha paixão quase obsessiva por competições onde os cantores são os protagonistas. E vou além porque sei bem sobre o que me incendeia: eu gosto da voz cantada. Daquela voz ao vivo, que desafia qualquer insegurança. Que dribla a falta de afinação e simplesmente se mostra presente. Inteira. Viva. Essa voz quente, de gente que sabe como conduzi-la, instrumento descoberto muitas vezes no repente. E que me faz parar a vida, para poder ouvi-la.

Sendo assim, eu criei o hábito de acompanhar e descobrir todo o tipo de programação na televisão, sobre esses homens e mulheres que cantam. Gente comum, que busca a oportunidade de se fazer ouvir. Gente que não têm outro ofício senão o de cantar. Que não consegue se sentir inteiro senão cantando. Eu lembro do show de calouros do Silvio Santos, que era muito divertido, mas volta e meia aparecia alguém para emocionar. Lembro com mais força do Raul Gil, que transformou o quadro de calouros no seu programa e provocou a concorrência com uma audiência conquistada com o seu elenco de cantores. O Programa Raul Gil conseguiu, durante alguns meses, reunir uma geração de artistas superior ao mercado fonográfico nacional. Foi palco de talentos indiscutíveis. De vozes belíssimas. Abriu estrada para muitas carreiras.

Quando o SBT anunciou que faria a sua versão nacional do American Idol, eu já era fã de carteirinha do programa original. Graças ao advento da internet e da televisão por assinatura, hoje em dia é possível consumir todo o tipo de preferências. Já sofri muito com as eliminações injustas. Já xinguei os jurados e seus comentários. Já vibrei com a vitória e me surpreendi com muitas vozes durante o decorrer de uma temporada. Já fiz amigos nesse universo de torcedor. Mas hoje, pela primeira vez, houve a sensação mais forte, como um soco no estômago, que me fez parar para escrever. Eu não sei sobre você, mas escrevendo eu me compreendo melhor. E assim que o resultado da vencedora do programa Ídolos foi anunciado, eu me mantive em silêncio. Silêncio não previsto que ecoou em muita gente por aí, que assim como eu, também ficou surpreso. Ou no mínimo, desapontado.

Sentei para ler os comentários na internet sobre a vitória da paranaense Thaeme Mariôto e é incrível como as pessoas expressam a indignação. Alguns chegam a agressão verbal. Eu não sou defensor da cantora. Se tivesse que escolher a vencedora, eu daria o título para a Shirley Carvalho, que sem dúvida, foi a maior voz das duas edições brasileiras. Muitas já conheciam seu potencial, revelado no Raul Gil. Shirley foi o grande nome da segunda edição de Ídolos. Foi responsável por dar credibilidade ao programa. Um programa de televisão com uma cantora do seu porte, é para ser levado a sério. Shirley nos entregou as melhores performances. Emocionou adultos e jovens. Foi pauta de conversa por muitos dos lugares que freqüento aqui no Rio de Janeiro. Mas Shirley ganhou o segundo lugar do programa. Por uma diferença pequena, mas suficiente para que ela não recebesse o título de melhor cantora da temporada, sendo ela a mais preparada.

Me deu um nó. E eu admiro a trajetória da Thaeme. Não vou desconsiderar a sua transformação. Não vou anular o seu apelo popular. Não vou sequer comentar o fato de outros blogs mencionarem esquemas financeiros para favorecerem a candidata. Me deu um nó na garganta. Depois eu li um comentário no Blog do Mau Mau, tentando responsabilizar os fãs da Shirley por ela não ter ganho. Que o segundo lugar no Brasil não é nada. E eu derrubei uma lágrima. Eu escrevo para dizer que eu não sou responsável pela derrota de ninguém. Se ser fã é votar, eu votei. Eu telefonei diversas vezes. Mandei mensagens. Gravei as apresentações e apresentei a algum amigo. Conversei sobre. Eu vesti a camisa do programa pela primeira vez na vida. Se eu sempre fui um espectador tímido, dessa vez eu coloquei em prática a minha veia de fã e fiz o que pude. Então não venha me dizer que fui responsável pelo resultado do programa. Não canalize o seu soco no estômago tentando encontrar justificativas. Eu sinceramente sinto muito que a melhor voz não tenha levado o prêmio máximo. E discordo definitivamente de que o segundo lugar não é nada. Shirley fez história no programa Ídolos. Hoje ela faz boa parte da população brasileira ir dormir com a sensação de impotência latente. E ela vai adiante, porque um desejo não morre com um segundo lugar. Um sonho não se apaga com um resultado de um programa de televisão. Uma mulher tão jovem com um potencial vocal tão bom, não vai desaparecer porque perdeu.

Você me fez muito feliz por todos esses meses.

quinta-feira, agosto 16, 2007

NA CAMA de Matías Bize

- Qual parte você não compreendeu?
- Você está se precipitando. Eu entendo que você esteja chateado. Faz um tempo que eu quero parar para conversar com você e simplesmente conversar...
- Eu não quero conversa. Não quero discutir relação. Não quero ouvir seus argumentos. Não tenho vontade de parar por um minuto que seja, para justificar, para me justificar. Eu não quero mais.
- Eu vou tomar um banho, a gente sai e vai jantar. Só preciso de dez minutos.
- Você não precisa tomar banho para se sentir mais limpo.
- Você não precisa ser grosso.
- Eu não quero mais. Sem drama. Sem música de fundo. Sem lágrima. Simples, seco, verdadeiro.
- Eu te fiz alguma coisa? Eu não compreendo.
- Sabe que eu detesto essa palavra? Coisa. Você não me fez coisa alguma. Eu não preciso explicar. Você faz essa cena parecer como a de um casal que está junto há dois, três anos. E nós saímos desde julho. Se eu for colocar no papel, não saímos juntos nem seis vezes. Então compreenda que eu não te quero. Eu não quero mais você aqui em casa. Ou na minha cama. Especialmente na minha vida.
- Você não parece o cara que eu conheci.
- O cara que você conheceu curtiu a sua cantada. Embarcou a primeira vez na tua conversa e não foi tão difícil. Eu tinha a sensação de que você seria mais um desses homens casados, insatisfeitos sexualmente, que precisava da adrenalina da putaria, da atmosfera do proibido para te colocar em movimento intenso.
- Eu nunca escondi nada de você.
- Você não escondeu a aliança.
- Eu te contei sobre a minha esposa. Te falei dos meus filhos. Que os horários dos nossos encontros seriam...
- E eu aceitei. Eu sequer pedi qualquer satisfação. Eu não tive a oportunidade e nem a vontade de te contar nada sobre a minha vida. Só que eu não sou seu analista. Eu não preciso de tanto por tão pouco. Eu não quero me sentir responsável por você. Sabe quanto tempo eu demorei para me sentir dono da minhas escolhas? O que eu quero te dizer, é que eu não quero mais. Certamente você é um homem interessante. Só que eu não quero mais. Eu não quero.
- Eu pensei que a gente fosse ficar junto.
- Junto comigo? Como num relacionamento? Dividir a vida, a casa, os amigos? Você vai abandonar a sua vida e se mudar para cá? É isso?
- Isso é ridículo.
- Ridículo é você querer me fazer acreditar numa mentira barata. Como se eu fosse uma amante dos anos trinta e você não tivesse coragem para abandonar a tua mulher e me enrolasse por meses, anos a fio, sem fuder nem sair de cima. Eu não quero que você abandone ninguém por mim. Você não teria coragem de quebrar a sua vidraça.
- Olha a situação que você me colocou.
- Eu não te coloquei em lugar algum. Aliás, te coloquei na minha cama seguidas vezes. Qual a parte, eu repito, que você não compreende? Ou o orgulho feriu? Ninguém nunca te deu um fora, cara? Eu não quero mais putaria.
- Então você acha que tudo o que houve entre nós foi isso, putaria?
- Putaria da boa. Putaria masiúscula. De me deixar de cabeça para baixo, de me fazer gritar na cama. Você é ótimo parceiro. A gente combina, se entende, se encaixa e em tão pouco tempo, eu sou obrigado a te dizer que essa química é admirável. Só que eu acordei hoje cedo, sozinho, me olhei no espelho e entendi que se eu não fizer por mim, eu vou ser esse cara solteiro, que trepa com desconhecidos ocasionalmente e que se satisfaz com três ou quatro orgasmos por semana.
- Eu adoro a nossa cama. Eu adoro te pegar pelo cabelo e te xingar...
- Você é alguém que me usa para descortinar o homem que você não tem coragem de ser.
- Eu não sou uma farsa.
- Você diz essas sacanagens na hora do sexo para me estimular, para me convencer, para que o meu desejo de te dar prazer seja maior. E quando eu faço o que você me pede, quando você consegue sinalizar o que você quer, o que você gosta, quando você me coloca na tua melhor direção e explode, eu vejo os teus olhos. Eu vejo você e a sua máscara quebra. É assim que você se entrega. E se mostra. Só assim, nesses segundos de intimidade, é que você tem coragem para ser quem você é.
- Vai se fuder, garoto.
- Com você eu não quero mais.
- Você me analisa de acordo com a sua experiência.
- Eu já tive medo. Eu nunca fui casado e nunca tive que romper uma relação antes, mas eu sei bem como é ter medo para poder se expressar e por mais que você negue, o que para mim é perfeitamente natural, em algum lugar com um outro alguém, em qualquer época, você um dia ainda vai lembrar dessa conversa.
- Acho improvável.
- Mas não impossível.
- Fica assim, então?
- Fica assim. Eu não tenho nada contra você. Eu te abri a porta da minha casa. Você é tão lindo e tão cheio de delicados problemas. Só preciso de um movimento. Preciso largar essa vida de plástico. De cinema escuro. De pau sem nome. Patético e clássico. Eu quero acordar, me olhar no espelho e não estar sozinho.
- Eu não posso te oferecer isso.
- Eu não pedi.
- Eu sei que não. Posso te pedir uma última vez? Uma despedida?
- Não, não pode. Também não pode me ligar. Também não quero mais mensagens sacanas. Não pode. Você não pode mais. Eu não permito.
- E se um dia a gente se esbarrar?
- Olha, eu não sou louco nem nada, cara. Se uma dia a gente se encontrar, a gente se cumprimenta, a gente faz como todo mundo faz. Só preciso te pedir um último favor.
- Claro.
- Saia da minha casa.


sábado, agosto 11, 2007


NIP TUCK de Ryan Murphy
Temporadas 1, 2 e 3


Eu tentei te escrever, mas o computador deu um problema no editor de textos. Confesso que no momento da pane, eu me deixei levar pela armadilha da irritação e fiquei nervoso. Dois minutos depois, eu tive a sensação doce de que não preciso tanto da máquina assim. Preciso, na verdade, de papel e caneta e o desejo de te dizer algumas palavras. Que não são tantas. A vida de agora me esfrega que alguns caminhos difíceis não combinam com a inércia. Que é preciso facão e disposição para enfrentar sem medo os excessos e as interrogações. Minha vida anda em branco, à espera da próxima frase, aguardando o movimento. Sem estagnação, entenda. Ativo porém mais leve, menos barulhento, sem ter o que dizer porque não há o que ser dito. Quando sentir necessidade, seguirei o impulso. Sempre defendi os meus. Das decisões, poucas, resolvi não operar mais o som de dois espetáculos que gosto tanto. Preciso fazer por mim. Ou me posicionar no centro da pista. Gostaria de conversar sobre amor agora. De te ouvir mais do que falar. Eu não quero as minhas palavras hoje. Deixe eu ouvir o som das suas. Vamos para a rua beber tequila e ver o menino do filme passar de moto. Enquanto escrevo, tenho desejos contraditórios. Eu quero falar uma sensação. Falar sem palavras. Quero o silêncio. E o som no volume máximo. Eu sei que eu vou. Mas não deveria.

Entre sorrisos e olhares, vamos driblando e desfiando as linhas difíceis da comunicação. Vamos deixar as palavras bem claras, dar sentido ao que parece sem sentido. Limpar o campo visual e objetivar as intenções. Como uma lição barata de um livro inútil de como ser alguém menos confuso, repita comigo sorrindo, concentre a atenção, de que você é uma pessoa que não é influenciada pelo inverno, não se sensibiliza com poesia ou música e que não gosta de ser pega de surpresa por uma paixão antiga, recente ou duradoura que te embaralha o vocabulário e confunde os passos, engana a caminhada. Que o inverno no Rio não é só frio mas também bonito e elegante e disponibiliza teu corpo para uma paixão de ontem, para uma nova paixão. Seja forte, rapaz, não se apaixone por detalhes que já te chamaram a atenção em outros ventos. Burrice deixar o coração alterar a batida por vícios antigos. Que espécie de bêbado é você que toma o mesmo vinho de tempos em tempos e deixa o sangue ferver da mesma maneira? Veja bem, você já escreveu esse texto em outra época. A qualidade das palavras era mais interessante porque havia o vigor do desejo inédito. Hoje o capítulo é repetido, você já viveu essa cena, os atores já disseram essas mesmas frases.

Vamos adiante sob o efeito do vento frio, do abraço quente. Das confusões naturais, em série, não poderia ser diferente. Na confusão da minha atenção, quem sabe, eu não acendo uma intenção tua? Na troca de palavras, quem sabe os olhos não procuram mais intimidade? Desventuras em série revelam muitas aventuras em série e eu gosto de seduzir sem grandes orçamentos, sem muito barulho ou cenários definidos. Tudo é grande e quente por dentro. E é importante que você saiba. Eu não amo sem informar. Tal egoísmo não me caberia. Preciso da ponte da palavra, da caminhada a dois, ainda que um resolva não prosseguir, que tenha outras flores para regar e pessoas para cuidar. Eu não sei amar sozinho. Esse é um vício, te confesso sem vinho pra esquentar. Não sei onde vamos chegar. Não sei se devemos chegar juntos a algum lugar. De repente, esse é o ponto que a minha linha passa pela sua, cruza, e nesse 'xis' nos percebemos com infinitas possibilidades de amor ou desprezo. E você, tão recente na minha história, tão amigo dos amigos, de repente, com o mínimo, me proporciona uma sensação que parece a mesma de tempos atrás, mas que não é. Amo você de novo. Diferente, porém igual. Inédito sempre.


sexta-feira, agosto 03, 2007


FAST FOOD NATION de Richard Linklater

... mudamos de cor, de tom, de clima, de atmosfera, o metrô cheio, a testa suada, o fone no ouvido e de longe um violino e de longe a cidade em movimento e alguns raios cortam o céu e sacodem a cidade e então a chuva forte e a roupa molhada enquanto caminho sem urgência enquanto os demais correm com pressa, fugindo da água, fugindo das poças, fugindo da tempestade. Os pingos grossos, o calor subindo do asfalto, faz mais calor e nem é verão enquanto caminho cada vez mais molhado cada vez mais aliviado cada vez mais feliz porque estou eu também no meio de uma tempestade íntima, o que me faz cúmplice do vento e dos ruídos de todos os raios de todo a cidade em estado de alerta que dá um nó quando a natureza resolve agir impulsiva por excelência e eu admiro excelências.

... alguns passos mais tarde estava eu na locadora e papai falava sobre a diferença que pode aproximar os interesses que pode afastar os percursos. Éramos dois homens ignorando a tempestade para conversar e é tão raro conversar e perder a noção do tempo, apenas ouvir e dizer e debater e discordar, sem lanças ou escudos, sem disputas ou preocupações com o que vai ser dito, conversa sem pódios, sem medalhas, apenas os olhos nos olhos e o momento. Fechamos as portas e ao entrar em casa o sobrinho agitado e sempre impressionado com o inédito e a festa de todos os dias, as palavras e o carinho, mínimos que eu respeito. As contas de sempre e uma carta de um amigo que se perdeu de mim faz muito tempo. As histórias descobriram outras paisagens, outros personagens abriram a cortina, ganhou outro desfecho o nosso encontro. A lembrança viva, a letra que eu sempre achei tão linda e tão segura, o tempo que passou, a sensação que nunca deixou de existir e lá estava ele, entre raios e trovões e os meus olhos molhados observando a chuva cumprir seu ritual, as janelas abertas, a casa dando as boas vindas.

... depois ela me ligou e me avisou que ele chega na semana que vem. Que vai ficar pouco tempo, mas que virá nos visitar. E faz pouco mais de um ano e foi tão forte e tão decisivo. Veio de um encontro pela internet que nos aproximou os interesses, ele gostava dos meus textos e eu gostava das suas fotografias. Ele gostava do meu verbo e eu gostava do olhar dele. E quando ele chegou trazendo o sotaque do sul, nos apaixonamos dentro de um fast food sem dizer uma palavra sequer e nos reconhecemos e vivemos dias tão felizes pela cidade imponente e sua arquitetura hipnótica e toda a liberdade e a molecagem de ser carioca mais a praia e o chinelo e os meninos do rio e do Caetano provocando arrepios. Depois ele voltou para sua cidade e eu senti muito e aprendi porque ele me deixou ensinamentos e a certeza de uma amizade e de um carinho e de uma história que é tesouro e corre nas veias. Depois ela se corrigiu, que não leu o e-mail direito, ele só chega em janeiro e já dei muita risada porque ela quer tanto que ele chegue que antecipou a sua vinda. E janeiro é quase ali se a gente for somar. Antes ainda tem os meus trinta anos e eu me reservo um porre porque são trinta anos e eu quero celebrar, não me pergunte as razões e depois o ano vira provavelmente na praia, se ela quiser me acompanhar mais uma vez, provavelmente em Copacabana, paraíso dos turistas, bairro que eu particularmente acho claustrofóbico, globalizado em demasia e que de tanto circular pelas ruas, acabei me encontrando ali no canto da Barão de Ipanema no colo do melhor amigo.

... então ele outro chegará. E eu tenho alguns meses para alimentar a idéia de novamente abraçar e novamente sentir meus olhos no sorriso e novamente o carinho e sempre o carinho e as noites para que possamos ouvir todas as músicas para que a gente possa lembrar da chuva do vinho e do tom. Anyway, eu tinha um conto para contar que se perdeu entre as linhas. Não importa. Aqui eu brinco de me perder e me encontrar. Aqui é como todo lugar. Onde cada um enfrenta as suas cifras, equilibra seus maiores sonhos, realiza os seus pequenos desejos, rega as flores porque aposta na beleza, acredita no outro porque é preciso se lançar em histórias de carne e osso, de sangue e suor. Como toda cidade-pessoa, a gente percebe que o ideal mesmo é não ter um ideal. Que o real é mais fascinante por esse mesmo motivo: é real, no tempo de agora. Cada um se ajusta ou implica com a montanha-russa do acaso, dos encontros inusitados, dos esbarrões insuspeitados, dos olhos que nos descobrem quando não esperamos, quando não queremos descobertas, apenas o velho dia-a-dia. O bom e saudável dia após o outro.