HALF NELSON de Ryan Fleck
Delicadamente percebo em tuas mãos algum tipo de pano vazado, nem tão pesado nem tão leve. Aos poucos, durante a conversa, você abre o pano e com todo cuidado, revela uma rede, dessas de circo, e me pede ajuda para prendê-la, extremidade por extremidade. E eu te ajudo porque ela nos servirá, você me sopra. Então sentamos no sofá e você me olha nos olhos e não quer perder o meu olhar, você me diz sem me dizer. Eu desvio por alguns segundos e retomo a tua retina que brilha e me despe de truques, de manias, de qualquer movimento sintomático que pode me ajudar a te enfrentar durante essa conversa. Teu olhar verdadeiro busca o meu olhar verdadeiro e a rede já está presa. Você amarrou bem a parte que te coube? Eu não me lembro bem e talvez ela não seja necessária, já parou para pensar? Talvez ela não seja necessária. Talvez ela represente apenas o cuidado de ambos, por razões diferentes, eu presumo, mas talvez seja apenas o cuidado natural com que ambos nos descobrimos, universo infinito. E delicado. Essa percepção de que sendo tu tão apaixonante sendo eu tão apaixonado e vice-versa, a rede nos amorteceria se por algum momento, ousássemos. Se. Algum momento. Um de nós, ou os dois, vai saber, arriscasse um salto. Mesmo que seja sem impulso, apenas para saber a sensação de se deixar levar e fechar os olhos e perceber o corpo cair. Assim.
Eu, de tão caseiro, comprei flores para a janela. Quando tenho desejos incontidos de ruas e luzes, saio pela cidade aproveitando as curvas e as pessoas. Madrugada passada voltei para casa numa dessas vans enormes que socorrem os passageiros notívagos e sem dinheiro para o táxi. Atravessei a cidade em menos de vinte minutos e cheguei em casa para um banho frio para espantar o álcool e a fumaça. Dormi tanto e sem preocupação que levantei depois do horário do almoço, preocupado com as flores, que precisavam de água. Doce sensação de saber que agora não sou mais tão só eu mesmo. Que precisam de mim as flores da janela para controlar a luz do sol, a intensidade da água, o cuidado dos dias. Que independente de tudo o que há, agora elas existem dentro do apartamento, dentro dos meus dias, dentro de tudo o que é frágil e te tudo o que é laço. E são companhia, são companheiras, são poesias futuras. Entre nós, não é preciso nenhum tipo de cuidado, além do que se tem. Nada de redes que amortecem. Nada de saltos ou quedas. Não. Aqui é assim, elas crescem e eu cuido. Elas florescem e eu ajudo. Nessa troca óbvia que também enobrece. Nessa relação justa que a ambos favorece. Sem pedidos. Sem promessas. Sem o medo. Algo ente uma permuta justa entre quem cuida e quem é cuidado. Verdadeiros e atentos, sabendo que se um dos dois, por motivo qualquer, se descuidar, algo pode desandar, alguém pode enfraquecer. Sem lições porque o ensinamento nasce dos dias e das necessidades. Então atenção, porque tudo é divino maravilhoso. Mas existe o compromisso.
Não há nada para te dizer porque ainda não sei como dizer, o jeito de dizer, eu quero dizer. Tenho dias de verborragia e silêncio, como qualquer um. Momentos de clareza e momentos de confusão como qualquer outro. Ouço segredos de amigos, compartilho amores e ilusões, dou risada e aplaudo de pé e também me calo diante daquilo que não me provoca. Daquilo que não me move. De tudo o que não me importa e eu procuro me importar com os mínimos de cada um porque deles brotam a confiança, o cuidado, o carinho, a via de duas mãos. Eu te abandonei na estação de trem e me disseram que você se manteve intacto. Não moveu um músculo da face, não tombou nenhuma lágrima, não suou frio. Eu te deixei antes que o trem chegasse. Eu te disse obrigado e te abracei antes que amanhecesse. Você não me escreveu nenhuma carta. Nenhum recado, nenhum pombo quebrou a minha vidraça com qualquer notícia sobre você. Dentro do silêncio, eu fiz uma canção. Uma canção que preencheu todo o espaço entre a tua partida e a minha chegada. Estou confuso: entre a tua chegada e a minha partida. Deveria ter fotografado. Poderia ter eternizado o adeus, ainda que a confusão de quem chegou e quem partiu, permanecesse. E permanece. Eu não sei do que virá. Eu não sei do que existe entre. Eu só sei das flores. E do meu compromisso. Entre.
Eu, de tão caseiro, comprei flores para a janela. Quando tenho desejos incontidos de ruas e luzes, saio pela cidade aproveitando as curvas e as pessoas. Madrugada passada voltei para casa numa dessas vans enormes que socorrem os passageiros notívagos e sem dinheiro para o táxi. Atravessei a cidade em menos de vinte minutos e cheguei em casa para um banho frio para espantar o álcool e a fumaça. Dormi tanto e sem preocupação que levantei depois do horário do almoço, preocupado com as flores, que precisavam de água. Doce sensação de saber que agora não sou mais tão só eu mesmo. Que precisam de mim as flores da janela para controlar a luz do sol, a intensidade da água, o cuidado dos dias. Que independente de tudo o que há, agora elas existem dentro do apartamento, dentro dos meus dias, dentro de tudo o que é frágil e te tudo o que é laço. E são companhia, são companheiras, são poesias futuras. Entre nós, não é preciso nenhum tipo de cuidado, além do que se tem. Nada de redes que amortecem. Nada de saltos ou quedas. Não. Aqui é assim, elas crescem e eu cuido. Elas florescem e eu ajudo. Nessa troca óbvia que também enobrece. Nessa relação justa que a ambos favorece. Sem pedidos. Sem promessas. Sem o medo. Algo ente uma permuta justa entre quem cuida e quem é cuidado. Verdadeiros e atentos, sabendo que se um dos dois, por motivo qualquer, se descuidar, algo pode desandar, alguém pode enfraquecer. Sem lições porque o ensinamento nasce dos dias e das necessidades. Então atenção, porque tudo é divino maravilhoso. Mas existe o compromisso.
Não há nada para te dizer porque ainda não sei como dizer, o jeito de dizer, eu quero dizer. Tenho dias de verborragia e silêncio, como qualquer um. Momentos de clareza e momentos de confusão como qualquer outro. Ouço segredos de amigos, compartilho amores e ilusões, dou risada e aplaudo de pé e também me calo diante daquilo que não me provoca. Daquilo que não me move. De tudo o que não me importa e eu procuro me importar com os mínimos de cada um porque deles brotam a confiança, o cuidado, o carinho, a via de duas mãos. Eu te abandonei na estação de trem e me disseram que você se manteve intacto. Não moveu um músculo da face, não tombou nenhuma lágrima, não suou frio. Eu te deixei antes que o trem chegasse. Eu te disse obrigado e te abracei antes que amanhecesse. Você não me escreveu nenhuma carta. Nenhum recado, nenhum pombo quebrou a minha vidraça com qualquer notícia sobre você. Dentro do silêncio, eu fiz uma canção. Uma canção que preencheu todo o espaço entre a tua partida e a minha chegada. Estou confuso: entre a tua chegada e a minha partida. Deveria ter fotografado. Poderia ter eternizado o adeus, ainda que a confusão de quem chegou e quem partiu, permanecesse. E permanece. Eu não sei do que virá. Eu não sei do que existe entre. Eu só sei das flores. E do meu compromisso. Entre.