ACROSS THE UNIVERSE de Julie Taymor
- Eu não estou bem.
Eram quatro e é importante dizer que eram quatro jovens. E você sabe que jovens são essas pessoas ávidas por novidades, inteiramente disponíveis e quase nunca machucados. Eram jovens e estavam a caminho da praia de Copacabana dois dias antes do ano terminar. O verão exigente da cidade do Rio de Janeiro expulsando as pessoas de suas casas, misturando-as pelas ruas, bares, pela orla. Os quatro caminhavam sem preocupação, em direção ao mar. Foi quando, desplugar de qualquer interruptor, o mais velho entre os quatro, sentiu o suor descer mais forte pelo pescoço, as pernas sentiram o peso do corpo e a velocidade da cidade diminuiu vertiginosamente.
- Preciso voltar para o apartamento.
Três rapazes: um ator, um estrangeiro e ele, que eu não saberia definir a ocupação ou a nacionalidade. Ela não precisa de muitas qualificações, sendo a mais importante e talvez a que melhor esclareça: a única mulher entre eles. Em última análise, o norte dos meninos e boa parte do tempo a graça também. Foi ela, antes de qualquer cena cinematográfica pelas ruas de Copacabana, quem compreendeu que algo não ia bem. Não precisou de tanto esforço, apenas ouviu e olhou nos olhos o rapaz que ia perdendo a cor dos lábios e respirava com dificuldade. Sentado no meio-fio, o som das ruas foi se misturando ao eco confuso de vozes que não saberia dizer de onde viriam. Ela pegou na mão fria dele e chamou o ator, que dava atenção a uma senhora, provavelmente fã provavelmente curiosa. O ator observou e repreendeu a cena real por não acreditar de fato que algo não ia bem. O estrangeiro apenas observava, sem ter o que fazer ou dizer. Observava, como se deixasse os fatos acontecerem antes para que pudesse agir depois. Ou durante.
- Eu tô falando sério. Eu estou passando mal.
Desistiram da praia por alguns minutos. Deixariam o rapaz no apartamento e de lá cumpririam os seus planos de sol e mar, água-de-coco e biquínis indecentes. Só que antes, tal qual um eclipse, ao se levantar e dar alguns poucos passos, o rapaz percebeu e há nessa percepção muito mais do que seria possível descrever, que não só lhe faltava ar como também equilíbrio. Eclipse é o escurecimento parcial ou total de um corpo celeste, provocado pela interposição de um outro corpo celeste. Na antiguidade, em função do baixo conhecimento astronômico, muitos povos acreditavam que o eclipse era um sinal de que alguma coisa ruim ou uma catástrofe natural estava por acontecer. Não percebeu que seu corpo tombou ao chão. Não percebeu que o copo cheio de alguma bebida gelada havia escapado das mãos e escorrido pela calçada. Ou que o estrangeiro lhe segurava a cabeça e chamava seu nome. Não percebeu que ela correu para o restaurante mais próximo para pedir sal pelo amor de deus sal, moço. Só ouviu a voz do ator que interrompeu a escuridão que lhe provocou o desmaio, gritando:
- Volta! Não se deixe levar!
Na realidade, a totalidade de um eclipse dura no máximo sete minutos e meio. Um eclipse solar total começa quando a Lua alcança a direção do disco do Sol, e aproximadamente uma hora depois o Sol fica completamente atrás da Lua. Nos últimos instantes antes da totalidade, as únicas partes visíveis do Sol são aquelas que brilham através de pequenos vales na borda irregular da Lua. Retomou a visão, parte do equilíbrio, o desespero passou e ela voltou correndo, afobada, com dois saquinhos de sal nas mãos. Água gelada, uma fruta e o riso nervoso para dissipar a tensão inesperada. O retorno seja lá de onde, seja lá para onde. Alguns minutos depois, todos de acordo, caminharam em direção ao mar, ponto em comum entre os quatro. Destino inicial e que não deveria ser desperdiçado em dia de céu tão azul.
Durante a totalidade, o céu se torna escuro o suficiente para se observar os planetas e as estrelas mais brilhantes. Na praia, sob a sombra da barraca, do chapéu e dos óculos-escuros, ele observou a tarde com confusão, felicidade e uma ponta de medo. Algo dentro dele não estava bem. E ele sabia, ainda que as ondas, as pessoas, os sorrisos e o carinho do estrangeiro, do ator e da mulher lhe confortasse por alguns momentos. Algo de cabeça para baixo dentro dele. Algo que não saberia explicar, por isso essa palavra: algo. Algo que o faria repensar. Algo que modificaria a sua vida depois daquelas horas. Algo íntimo que não teria coragem de dividir com nehum dos presentes. Algo maior que ele e também mais forte. Algo que revelaria a sua fragilidade e mais, a exporia sem a preocupação com o cenário, o clima, os envolvidos. Algo que o pendurasse no cabide e lhe tirasse os pés do chão. Que não o faria chorar. Ou sorrir. Que não terminaria no momento final. Mas se prolongaria por onde quer que estivesse.
Depois cada um encontraria as suas partes, reviveria seus momentos, tirando a vida do pause. O ano no fim. A idade nova lhe estapeando e a sensação de que tudo ao redor está dessa maneira, sem ar, fragmentado, talvez um reflexo do calendário, desse futuro de plástico globalizado cheio de pressa. Sendo assim, como se fossem flores, os quatro recolheriam os seus, as suas, com as mãos cheias, característica boa de gente jovem.
Teve saudade de uma história com início, meio e fim.