Protected by Copyscape Originality Checker

sexta-feira, junho 27, 2008


ENCANTADA de Kevin Lima


- Tive um romance que não durou muito. Não foi adiante. Sabe quando tudo começa com luzes, intenções e um brilho nos olhos? Sabe quando você percebe que tudo isso faz parte do encantamento natural de todo início, mas por qualquer motivo inevitável, por qualquer misterioso movimento involuntário, a mágica se desfaz, a projeção do ‘dessa vez vai dar certo’ bate no escudo e volta em forma de água fria? De desencanto. Então a gente suspira e segue adiante, porque seguir adiante é dizer sim. E você? E o seu coração?
- Em silêncio. Como se a cidade estivesse em silêncio. A minha cidade particular, que te envolve objetivamente quando a gente arrisca de se encontrar, fósforo de risco óbvio safado malandro carioca.
- Nós somos apenas dois bons velhos amigos.
- Que improvisam muitas vezes o discurso sobre o amor. Outras vezes enferrujam as palavras, de tão antigas e tão repetidas.
- Mas...
- Existe sempre o brilho do teu olhar aceso que faz do momento presente aquela íntima indiscutível intransferível festa entre nós dois.
- Eu perguntei sobre o teu coração.
- Que faz do momento presente aquela brincadeira de verdade que a gente insiste no meio de todo o barulho, em busca do silêncio comum. Da cidade comum.
- Quantas cervejas nós já bebemos?
- Tua geografia complementa a minha e viva o lugar comum da metáfora, mas o que eu quero te dizer hoje vai além de todo esse jogo da gramática. Eu quero te falar do que existe dentro. Entre. Do espaço entre todas as palavras, do invisível que existe entre um significado e outro. Da respiração entre os sinais e as pausas e o fôlego muitas vezes perdido e retomado. Eu te amo, ouve assim no pé do ouvido.
- Nós bebemos demais, Marcio.
- Não te digo somente que eu te amo, eu quero te dizer de tudo o que existe antes e depois dessa frase, de cada sensação, de cada estímulo, de cada reação, cada não palavra que deu origem a palavra que sucede a palavra. O que houve antes dela, o que haverá depois, no meio dela.
- Pare por um segundo. A gente já tem idade suficiente para perceber que tudo é feio que tudo é bonito.
- Eu quero te dizer de todo o processo, de cada reação, dos incêndios que você me provoca, dos ardores que você me causa, das flanelas com que nos polimos para parecermos dois distintos cavalheiros modernos dos dias velhos, a que tudo estão acostumados, vento sol pedreira ou pétalas e são cada vez mais raras as flores...
- Frases de efeito são somente frases de efeito.
- Onde é que foi parar a delicadeza?
- Eu vou pedir a conta.
- Eu te amo assim torto e míope. Você me ouve? Você quer me ouvir? Não estou pedindo um favor, eu tô pedindo socorro, existe um momento em que o sentido perde o sentido, a gente leva uma porrada que não é real nem deixa marcas e depois descobre que quase nada depende de nós. Isso deixa marcas. Os passos, as escolhas, as predileções, os desafetos, a trilha sonora, a gente ainda exerce algum tipo de controle. Da vida viva não. Do eu te amo, não.
- Desse teu eu te amo, assim, sem possibilidade, com conceitos deturpados, não.
- Tudo fica maior e precisa se encaixar com o tempo: o espaço, a natureza e seus desastres e eu te dizia que eu quero ir além das palavras, transcender o diálogo, quero permanecer depois de me calar. Pode parecer pretensão e hoje eu não ligo, existe em mim a cidade em silêncio e todo esse eco de querer dizer além de tudo o que eu te digo sempre. O que virá depois que eu me calar? Ou mais uma vez repetir. Você consegue compreender o sentido que virá depois do silêncio entre uma frase e outra? Garçom, você poderia completar as minhas frases, de acordo com os seus dias, os seus estilhaços, as tuas emendas e perfeitas histórias que cabem na palma da tua mão. Poderia?
- Não senhor.
- Me perdoe, ele já bebeu um tanto.
- Esse jogo de se completar.
- Você pode fechar a nossa conta?
- Pois não.
- De saber onde vai terminar. De saber que esse bar mais essas bebidas mais aquele moreno iam causar esse óbvio recurso de mão no cabelo, sorrisos no escuro da batida que não termina e é música, eles dizem e depois de um gesto sutil, um banheiro rápido para uma punheta no final daquela música que você tanto gosta.
- Não seja ridículo.
- É batida.
- Vou pedir um café.
- Estou ótimo.
- Um café, por favor.
- Entre duas pessoas que se amam podem existir espinhos além do óbvio. Entre duas pessoas que se amam existe todo um acordo transparente de dedicação, fidelidade, cuidados e carinhos que eu desrespeitei. Da mesma forma que tu desrespeitaste. Sabe que eu acho chique usar o tu. Não há aqui o desejo de me vingar.
- Vingar?
- Não sou assim. Existe aqui a cidade em silêncio e seus ecos ensurdecedores. Você não gosta de antíteses, eu sei.
- Não gosto.
- Mas o que eu posso fazer se eu vejo através desse ângulo?
- Você é exagerado.
- Não me exija melhor do que eu sou.
- Linda frase.
- É do Artur da Távola.
- Linda.
- Não me exija melhor do que eu sou. Todo amigo é também uma forma de socorro, onde os braços, o silêncio e uma boa aspirina fazem milagres possíveis.
- Esse tom de voz, eu conheço. Você não vai chorar, vai?
- Choro feito um menino em dor e noite. Choro caminhando sem rumo pelas ruas da cidade iluminada. Bêbado de um amor que me tomba poesia e um vigor que adormecia. Choro porque eu te traí, porque você não se incomodou.
- Você não me traiu.
- Traí ao amor.
- Você está chato.
- Choro hiperbólico sem vergonha viciado que sou.
- Chato.
- Não existe dor mais forte que a da traição ao sentimento. Carne a gente compreende. Sexo a gente engole. O secreto, quando violentado, não. Nunca.
- Você tem dinheiro trocado?
- De repente do riso fez-se o pranto /Silencioso e branco como a bruma /E das bocas unidas fez-se a espuma / E das mãos espalmadas fez-se o espanto./ De repente da calma fez-se o vento /Que dos olhos desfez a última chama/ E da paixão fez-se o pressentimento/ E do momento imóvel fez o drama./ De repente, não mais que de repente/ Fez-se de triste o que se fez amante/ E de sozinho o que se fez contente/ Fez-se do amigo próximo o distante/ Fez-se da vida uma aventura errante/ De repente, não mais que de repente.
- Não declame o Soneto de Separação. Nós somos apenas dois bons amigos.
- Estou declamando Vinícius de Moraes. Eu sei o que fomos.
- Precisa deixar de lembrar.
- O que importa é que você pegou na minha mão e ao tocar os meus dedos, seu olhar verde acendeu em mim qualquer luz vermelha e me interessou a maneira, que perdi a palavra por alguns segundos, perdi o sentido. E agora, eu quase perguntei em voz alta. Seu toque era bom e encaixava com exatidão, eu nunca fui um cara de exatidões e enchia de cores e tudo aquilo que você já sabe porque também arriscou e foda-se toda a cerveja e todas as garrafas e até o moreno do banheiro. Nós dois juntos em qualquer borda e havia sentido que houvesse sentido. Eu amei você e cada pergunta desencontrada e até a sua via movimentada de querer tecer o que não há nem pode haver se não começarmos em comum acordo qualquer tipo de comunicação. Você.
- Vamos?
- Você não entende o meu silêncio e eu não entendo as tuas palavras.
- Ou vice-versa.
- Vamos partir daqui.
- Sim.
- A gente já tem idade suficiente para perceber que tudo é feio que tudo é bonito. Enfrente, investigue, perceba que onde existe o medo existe também a ingenuidade e a ausência do saber. Não o saber de enciclopédias e salas de aula, mas o saber de caminhar, de estar dentro da vida, em contato com ela, o feio e o belo. Não entendo muito de relações partidas, mas compreendo os ecos do desatar, os efeitos do desfazer, quando a gente fica no singular à espera de.
- E teu coração?
- Encantado.

segunda-feira, junho 23, 2008


THE BUBBLE de Eytan Fox

“Há um momento em que as cordas se partem, e é tudo”.
(Sérgio Sant’anna / O Duelo)

O clima é muito tenso em frente à sede do Comando Militar do Leste, no Centro do Rio de Janeiro, onde cerca de duzentos moradores do Morro da Providência após o enterro de três jovens que teriam sido entregues por militares do Exército a traficantes do Morro da Mineira se encontram. Portando faixas e cartazes e com gritos de justiça, eles chegaram a ser repelidos pela polícia do Exército com bombas de efeito moral. Houve correria e algumas pessoas acabaram pisoteadas. Alguns carros foram quebrados, causando tumulto e agressão. Oito helicópteros sobrevoam o local e dezenas de policiais militares reforçam a segurança, usando cacetetes e escudos. Do outro lado da cidade, ele disca o meu número porque a essa altura, os jornais anunciam incessantemente as imagens ao vivo do lugar, onde por qualquer ironia, eu estou de serviço. No quinto andar.

- Onde você está?
- Quem está falando?
- Sou eu.
- Eu?
- Chico.
- Oi.
- Desculpa te telefonar assim.
- Aconteceu alguma coisa?
- Onde você está?
- Ainda não saí. Também não sei que horas eu vou conseguir ir embora. Todo mundo foi liberado, mas ninguém conseguiu sair do prédio.
- Mas você está bem?
- Nervoso porque da janela dá para ter uma noção do caos. Ainda agora eu estava trabalhando normalmente e então nós ouvimos uma explosão seguida de muitos gritos. Quando eu olhei da janela, o exército jogava bombas e as pessoas revidavam com pedras.
- A televisão está passando tudo. Eu fiquei preocupado. Resolvi telefonar.
- Estão quebrando o vidro dos carros. Tem gente caindo no chão, no meio da correria.
- Não saia daí antes da confusão acalmar.
- Eles fecharam o metrô. Eu não faço idéia de como é que eu vou chegar em casa.
- Pega um táxi, é mais seguro.
- Se eu conseguir chegar até a Presidente Vargas.
- Se não há como sair agora, então espere.
- O meu medo é da situação perder o controle, sei lá, ficar mais tarde e mais difícil de sair.
- A tendência é que os ânimos se acalmem. Me parece que o pessoal do morro quer reivindicar, protestar, com faixas, caminhando. Não me parece violento.
- Você está assistindo pela televisão. Pela tevê, o holocausto pode parecer pacífico.
- A polícia não faz nada?
- O problema deles é com o exército.
- E você?
- No meio de uma guerra que não é minha.
- Pensando no pessoal, eu concordo. Mas se você levar para o campo social, é uma guerra de todos nós.
- Se eu pensar no pessoal, eu vou te mandar ir à merda. Mas como eu estou no social, eu vou só perguntar se você vai ensaiar os teus discursos acadêmicos justamente nesse momento?
- Você está nervoso.
- Sim.
- Só uma constatação. Eu não perguntei.
- Sim.
- Me liga quando tudo acalmar?
- Não. Desculpe, mas não. Não falo com você desde sei lá quando. Outubro. E vamos ser amigos só porque eu estou...
- Não deixamos de ser amigos.
- Nós deixamos de ser, Chico. A gente deixou de ser tudo o que nós fomos por tantos anos. Seja lá o nome que cada um queira dar, nós deixamos de ser.
- Entendo. Então eu posso te ligar mais tarde?
- Complicado.
- Você não precisa falar comigo se estiver perto dele. Só me diz que chegou bem e eu desligo.
- Ele não está no Rio.
- Então não há complicação.
- Complicado porque se trata de nós. Não por ele ou você acha que eu não poderia atender uma ligação no meio da noite? Complicado porque eu não quero esse tipo de intimidade com você.
- Não vou te deixar mais nervoso do que você parece.
- Obrigado por telefonar. Acabou me acalmando.
- Impossível.
- Fiquei surpreso, só isso. Não sou bom com imprevistos.
- Eu sei.
- E a vida, como é que tá?
- Você não precisa ser educado diante das circunstâncias.
- Já que nós estamos nos falando, não custa responder.
- Morando sozinho.
- Bacana.
- Solteiro.
- Surpreendente.
- Terminando um livro.
- Fantástico.
- Não seja sarcástico.
- De forma alguma. Eu realmente acho bacana você estar morando sozinho, depois de tanto tempo anunciando que ia sair de casa. Surpreendente que você esteja solteiro, você nunca esteve solteiro. Fantástico que esteja terminando um livro. Você sempre abandonou seus projetos pela metade. Minha maior implicância com você, aliás, era a falta de...
- Comprometimento.
- Exato.
- Apesar disso, não ando muito feliz.
- Por quê?
- Você percebe que não está no melhor momento quando observa o relógio marcar cinco da manhã, já tocou três punhetas e se prepara para assistir O Bebê de Rosemary.
- Seria cômico.
- Nem tão trágico. É só um momento.
- Existe algum motivo específico ou precisa de uma análise?
- Andei fazendo uns exames.
- Ai, Chico.
- Peguei o resultado hoje.
- E?
- Não vamos falar sobre isso agora. Você está no meio de uma guerra.
- Não existe momento mais apropriado para uma bomba.
- Não é nada tão grave.
- Mas é grave?
- Precisa de atenção.
- Me conta.
- Já estou medicado. Preciso de repouso durante o tratamento, manter a higiene e em algumas semanas eu já estarei bem.
- Então não é tão grave, é?
- Poderia ficar se eu descobrisse mais tarde. Mas o médico me disse que não há perigo.
- Não é...
- Não, não é. Mas é transmissível. Até que eu esteja curado, tenho que segurar a onda.
- Mas como é... Teus pais sabem? Tem alguém para te ajudar, você precisa de algum cuidado especial?
- Relaxa. Se eu precisar de alguma coisa, eu contrato um enfermeiro.
- Enfermeiro? Tem efeitos colaterais?
- Não pira, só se eu precisar.
- Tua irmã sabe?
- Ninguém sabe disso.
- Obrigado pela confiança.
- Eu só poderia falar sobre isso com você.
- Nove meses que eu não sei nada sobre a tua vida.
- Fim de namoro é assim mesmo. A gente tem que deixar de saber do outro. Para que seja saudável. A gente precisa dessa sensação de deixar o outro escorrer pelo ralo até se perder. Não é confortável, mas é necessário. E você, ainda escrevendo?
- Pelo visto você deixou de ler.
- Sim.
- Continuo escrevendo. Às vezes eu me pergunto o motivo. Mas continuo. Outro dia o Diogo Mainardi disse na televisão que não entende quem escreve de graça. Aquilo me incomodou tanto. Sabe quando você gosta de alguém e de repente, com uma opinião, você desmonta uma imagem bacana? Será que ele não compreende de paixão? Necessidade?
- Faz sentido. E o tumulto?
- Deixa eu olhar pela janela.
- Vou ler você hoje mais tarde. Aliás, você poderia passar aqui.
- Não, não poderia.
- De metrô, você chegaria em dez minutos.
- O metrô está fechado.
- Mas eles vão abrir. Poderia pedir uma comida. A gente bate um papo. Te dou todos os detalhes sobre o exame que eu sei que você está se mordendo de curiosidade. Olharia para você. Ia me fazer sentir melhor.
- O tumulto parece controlado. Já não há mais confronto.
- Então, em alguns minutos eles devem abrir a estação.
- Não sei.
- Quando é que vamos ter outra oportunidade?
- Acho tão arriscado te ver.
- Não vejo mal algum.
- Não estou falando em recaída. Não é isso. Mas te encontrar, olhar para você, conhecer a tua casa, os teus móveis, entrar em contato com a tua vida, depois de tudo o que houve, nós somos aquela música do Lenine, fogo e gasolina, eu não sei. Depois do dia de hoje, eu tão vulnerável, precisando relaxar. Você tão carente e doente. Não é recaída, eu só não posso chegar até aí e pensar que eu fiz besteira em terminar o nosso namoro. Não posso chegar aí e encontrar um homem modificado, exatamente da maneira que eu queria que ele fosse, quando eu resolvi te dizer adeus. Eu nunca quis que você fosse outra pessoa. Só queria mais responsabilidade e atenção. Não para mim. Atenção com a tua vida, as tuas escolhas, as tuas pessoas. Não posso te ver, Chico. Por mais tentador que pareça, por mais curioso que eu esteja, por mais vontade que eu tenha de te dar um abraço. Existe uma espécie não classificada de relação que é essa que a gente se encontra. Não sou mais seu namorado. Ainda não deu tempo para que ficássemos amigos. Nós somos essas pessoas que se querem bem, talvez ainda se amem, mas que precisam desse lapso de tempo, para poderem quem sabe, voltar a se encontrar. Nós somos um desejo de futuro, que talvez aconteça. Talvez não.
- Eu só queria te ver. Se o mundo terminar hoje de madrugada, vou terminar sem te ver.
- Esse papo de fim do mundo não funciona mais.
- Pense bem. Se o mundo acabar...
- Eu termino na minha casa. Você na sua. Sozinhos. Como deveria ser.
- Gostaria de te ver.
- Gostaria de conseguir ir para casa em paz.
- Você sente falta?
- Você sente?
- Eu prefiro a vida mais simples. Foi-se o tempo em que complicava-se mais do que deveria.
- Te digo assim, falando no teu ouvido, que eu quase fui embora diversas noites. Que eu não compreendia teu não-olhar, você dentro de uma relação fria. Sem vida. Precisava muito mais do que afinidades, o mínimo, para poder tecer. Agora eu sei que você compreende.
- Um tanto.
- Tua ligação me fez perceber uma série de delicadezas. Me desarmou. Me despertou, como se ativasse o meu querer e me enchesse de desejos.
- Sobre o que você está falando? Estou confuso.
- Eu falo daquilo que ficou, do que permaneceu desde que você foi embora, daquilo que não é nem a palavra nem a pessoa: é o que existe entre elas. Esse espaço que não é vazio e que tanto me interessa. Simplicidade me ganha de tal forma que eu. Estou aqui, não é mesmo? E quero que você permaneça. Mesmo depois de ter ido embora. Mesmo agora. Eu vou para casa. Te ligo amanhã. Vou ficar bem. Tudo vai ficar bem. No final de semana, se você puder, eu te faço uma visita. A gente coloca o papo em dia, o tempo em dia.
- E quanto a nós dois?
- Tudo permanece da mesma forma, Chico. Não dá para mudar o que parece impossível. Se não a gente explode bombas, provoca estilhaços. Se não a gente se violenta e tenta por orgulho, tenta para subverter a dificuldade por pura insistência, para não se sentir contrariado. Em vão. Birra de menino mimado. Tua ligação me acalmou. Eu vou aproveitar a calmaria e vou descer. Cuide-se. Melhore. Não vacile. Responsabilidade com a tua vida.
- Escuta.
- Sim?
- Eu preciso dizer que te amo.
- Te ganhar e perder sem enganos.

terça-feira, junho 17, 2008


Existe um contador aqui no blog que me avisa também como é que as pessoas chegam até aqui. O que elas digitam no google, por exemplo, até encontrarem o link do Mínimos óbvios. Por esse mecanismo, por puro acidente, eu descobri três outros blogs de pessoas que chegam até aqui, lêem os textos e sem o menor senso de responsabilidade, copiam o que eu escrevo. Copiam os meus textos e assinam como se elas tivessem escrito. Só se dão ao trabalho de colocar no feminino e em alguns casos, limar frases que por qualquer motivo, elas não gostam.

O nome disso?

Plágio. Roubo. Putaria. Imaturidade. Sacanagem. Furto.

Tenho dois recados muito objetivos:

1) Escrever me dá muito prazer. E muito trabalho também. Precisa de tempo, de dedicação, de exercício contínuo, de suor, de horas com a caneta na mão, de redigir, reler, apagar, consultar o dicionário, escrever tudo de novo, deixar de lado, pegar no dia seguinte, pensar e colocar em prática, observar a vida e colocar em prática, tentar tirar algum proveito da prática. Alguns textos não precisam de tanto cuidado. Eles são escritos numa única respiração, num só impulso. Então, por uma questão de respeito, eu peço para que não roubem o meu ar. Compartilhar é outra história. Você lê. Você é adulto. Tem condições de compreender se o material te agrada ou não. Se gostar, eu recomendo que me visite com freqüência. Vamos bater um papo, trocar idéias. Se não gostar, feche a página e boa viagem. Mas não me cause pânico levando embora horas de trabalho, meses de dedicação, alguns anos de investigação.

Não roubar é um dos mínimos óbvios. Ou deveria ser.

2) Todos os textos aqui publicados foram escritos por mim. Eu respondo por eles. Eu sei a razão deles existirem, as histórias por trás de cada cena, o motivo pelo qual cada filme ilustra cada história. Estão quase todos registrados. Complete o raciocínio.

Esses dois links levam aos blogs, já desativados ou não mais atualizados, de uma menina de dezoito anos e uma outra, mãe de família. A terceira pessoa, que até sexta-feira teve o blog ativo, depois de ler um e-mail indignado, resolveu excluir o conteúdo e fechar as portas.

Blog 1

Blog 2

Eu siceramente espero que não tenha que fechar as minhas.

Caras, eu sou carioca, fudido, essa cidade está violenta, hoje eu me vi dentro de uma guerra entre o Exército e civis, não ganho tanto dinheiro, não tenho posses, ações, grana embaixo do colchão, imóveis. Quem quiser usar algum texto, é só me escrever. Eu libero. Eu autorizo. A gente entra em acordo. É só citar a fonte. Dizer quem escreveu. Jogar limpo. É só um nome, quatro palavras e o universo fica em sintonia.

Positivo?

sexta-feira, junho 13, 2008

ANTES QUE O DIABO SAIBA QUE VOCÊ ESTÁ MORTO

de Sydney Lumet

A cidade enlouqueceu, eu perdi a carteira e meus dentes doem. Então eu te atendi no telefone esperando mais alguma notícia, mais um fato para deixar tudo fora da ordem. E assim tem sido. Sua doce ironia me lembrou de que nunca houve nenhuma ordem, você nunca foi o tipo de pessoa organizada, teu coração sempre foi uma bagunça. Ah, vai para o inferno, você não me ligou para piorar o dia, não é mesmo? Seja o meu trampolim, me jogue para cima. E se quer saber, eu não concordo com você. Eu enchi o saco de concordar com tudo. Há de se desconfiar de quem só diz sim. Ou falta personalidade ou falta atitude. Talvez os dois. Sim, eu aceito uma cerveja. Mas o metrô está fechado. Eu tentei voltar para casa, mas eles fecharam o acesso, não liberaram a outra linha, as pessoas se acumulando na plataforma cada vez que outro vagão chegava. Vieram uns seis, eu só consegui sair da multidão depois de quase quarenta minutos. Tinha um homem que não passava bem. Um rapaz terno e gravata, bem magro, menos de trinta anos, cabelo liso e quase curto. Ele chorava e chorava e suava muito. As pessoas ao redor pareciam não se importar com ele. As pessoas pareciam não se incomodar nem com o fato de estarem aos montes na plataforma, sem qualquer explicação, apesar dos autofalantes chamarem com urgência todos os seguranças das plataformas. Eu pensei que se eles tirarem os seguranças do meio da multidão e um de nós, apenas um, resolver gritar ou quebrar ou se jogar nos trilhos, é capaz das pessoas também gritarem, quebrarem e jogarem umas às outras nos trilhos. Por isso resolvi sair e seguir para a Tijuca, onde um ônibus me levaria para casa. Mas antes perguntei para o homem que estava indisposto, se ele precisava de ajuda. Ele disse que sim. Ajudei-o a tirar o paletó suado e ele me pediu para usar o telefone, mas não conseguiu porque tremia. Tremia muito. Pediu para que eu ligasse para a esposa, que em momentos de pânico, ela é a única pessoa que consegue acalmá-lo. Eu disquei três vezes e três vezes ninguém me atendeu. Eu perguntei seu nome e ele me disse Fernando. Fernando, eu vou sair daqui, eu preciso de ar e acho que você também. Podemos chegar até a Tijuca e de lá seguimos adiante. Eu preciso de água. Ele fez silêncio por alguns segundos, o tempo de respirar fundo e (me parece) ganhar confiança, coragem ou força para me acompanhar. Eu vou na frente, eu disse, você pode colocar a sua mão no meu ombro, que eu vou guiando, nos guiando. Furamos a multidão com alguma dificuldade.

Quando saímos da estação e ganhamos a rua, estávamos ambos exaustos. Aliviados e de uma certa forma, felizes. Nós paramos para beber e ele me parecia outra pessoa, absolutamente calmo e comunicativo, seguro e sob controle. Pediu mais uma vez o telefone e conseguiu falar com a esposa, não ouvi muito bem a conversa, algumas palavras gentis - amor, estou bem, fique calma. Depois bebemos os dois uma garrafa d'água. Nos despedimos com um aperto de mão e seguimos caminhos opostos. Antes ele me agradeceu o cuidado e me puxou para um abraço desencontrado, onde mais uma vez, em um quase sussurro, me disse obrigado tão próximo e tão perto da orelha, que arrepiei afastando seu corpo e dizendo não agradeça, rapaz, você também me tirou de lá. Depois ele pegou um táxi. E não sei dizer muito bem a razão, mas eu desci as escadas.

Eu não sei bem. Quando eu vi, eu já estava lá embaixo. Eu perdi a noção do espaço. A minha cabeça anda confusa, o meu corpo tenso, eu já me acostumei aos ombros pesados, colocaram uma arma no meu queixo, depois que isso acontece a gente perde o pouco do compasso, a gente senta para trabalhar e se pergunta por um momento qual a razão de insistir, qual a importância de continuar se ainda agora um puto qualquer roubou parte do teu dinheiro e te enfiou uma arma dessas de filmes, na tua cara. Estar fudido de grana não é nem o problema, eu nunca tive o menor talento para administrar as minhas magras finanças. Eu preciso aprender. Eu preciso aprender. Eu preciso. O problema, além de me desdobrar em malabarismos para pagar as minhas contas, é permanecer são. Pessoas enlouquecem por muito menos. E depois você ainda me diz que. Você me fala sobre. Você diz para. Eu penso em heróis imaginários. Eu penso que eu preciso olhar nos olhos dos meus heróis. Deixá-los no meu nível de relação. No chão, no ar, na água, onde quer que eu me encontre. Encará-los ciente das fendas e das flores. Espelho do que eu sou. Referência segura de outras flores e fendas. Então eu digo que. Eu te falo sobre. Eu te converso essas palavras.

Então antes de chegarmos à plataforma, ela me deu um lance e disse assim, vai iluminar a sua noite. Eu não sei bem se ela me disse assim, com essas mesmas palavras, quando ela estendeu as mãos eu já tinha acreditado que eu ia tomar. Eu aceitei e olhei bem nos olhos de outra pessoa que estava ao meu lado e disse, eu vou tomar. Hoje eu preciso deixar a tensão dos últimos dias ir embora. Hoje eu tenho uma boa desculpa para querer que a noite aconteça, que o dia amanheça, que tudo continue sem interrupção. Eu tenho uma carta na manga que me permite ficar bêbado e sorrir e suar e dançar e flertar, se flerte houver. Eu não preciso de desculpa alguma. Eu não me justifico. Mas hoje, eu aceito sim o comprimido amarelo. Hoje eu vou ser o adolescente que eu deixei de ser por medo, repressão, excesso de compromissos que não me levaram tão adiante. As minhas melhores realizações foram as que eu escolhi. As que me indicaram, as que me impuseram, eu não cheguei nem ao orgasmo. Nem perto dele. Hoje eu vou. Já que a cidade não me deixa ir.

Eu desço as escadas e consigo compreender o silêncio abafado do corredor. O ar é gelado, os homens te observam com os olhos de predadores. Eles só querem a tua carne, nada além. Eles não precisam nem te olhar nos olhos. Eu me perdi e andei pela cidade sem rumo pensando em qual momento, eu deixei a vida embaralhar tanto os fios. Cada vez mais. Cada vez menos soluções práticas. As portas do corredor se abrem, eu posso observar se quiser ou gostar de observar. A luz de dentro é amarelada e não quebra a iluminação avermelhada dos corredores. O preto, o amarelo, o vermelho. Nada é claro, nada é nítido, nada é fácil. Eu questiono os meus motivos. Eu não tenho vergonha. Sou um descarado, solteiro, assaltado, buscando uma outra maneira de sentir o efêmero. Sem-vergonha. Penso no homem de terno e gravata, que quase me salva. Mas existe qualquer burrice viciante que faz com que a gente ignore os anjos e tire a tampa da panela. No final do corredor, eu sinto uma mão forte no cabelo. E digo não. Sou tragado pelo desejo de dizer sim. Mas eu repito não. Mas você está aqui e aqui nós não respeitamos as convenções. Fodam-se, eu digo não e me prendem as mãos, eu tenho o direito de escolher. Mas aqui, cabeludo, nós não respeitamos os direitos. Mas eu quero escolher, eu quero ter a oportunidade de escolher. Aqui nós também não respeitamos as escolhas, eles rasgam a minha roupa. Eu berro que não, eles calam a minha boca com um soco. O corpo perde a força depois de tentar escapar, qual a necessidade de fazer tudo o que eu faço todos os dias, se não tenho como conduzir os acontecimentos? Eu me entrego, eu me deixo entregar, eu não tenho outra opção e aqui, um me cospe na cara, eles não respeitam as opções. Até que todas as luzes se acendem. E eles dão a descarga antes de me deixarem implorar por.

sábado, junho 07, 2008

BELLA de Alejandro Gomez Monteverde

- Já começou?
- Em alguns minutos.
- Cara, peguei o metrô lotado, com o ar quebrado, a torcida inteira do Fluminense fazendo a maior bagunça. Passei em casa, fiz a barba e corri pra cá.
- Os jogadores já estão em campo
- Só tem tricolor nesse bar!
- Ainda bem, evita birra de torcida.
- O João não chegou?
- Ele não deu notícias. Mas todo mundo deixou recado dizendo que estaríamos aqui.
- Então ele não vai aparecer.
- Não seja tão convencido.
- O João não vem. Quando ele não quer ser encontrado, não há quem o faça aparecer.
- Vocês não se falam desde quando?
- Quase um mês.
- Ele não te escreveu mais?
- Não.
- Nem telefonou?
- Não.
- Sumiu mesmo?
- Qual o interesse repentino no João? Depois que nós terminamos, ele não deu mais notícias. Não escreveu. Ou ligou. Ou mandou recado por alguém. Natural que seja assim.
- Só queria saber.
- Você sempre teve uma queda pelo João.
- Você pirou.
- Sempre. Eu percebia e falava com ele e ele sorria de lado, daquele jeito de concordar sem dar o braço a torcer. Eu admirava a maneira discreta da tua atenção. Sempre tão doce.
- Eu nunca...
- Admita. É tão mais fácil. Não entra nesse jogo de negar e dizer que nunca, que eu enlouqueci, que a minha imaginação é tão fértil e tão maliciosa. Admita. Não há problema. Nunca houve problema. É absolutamente natural gostar do João. Ele é tão...
- Apaixonante.
- Exato.
- Eu sempre respeitei a relação de vocês.
- Eu sei, querido. Mas agora ele é um homem solteiro.
- Não muda nada.
- Muda. Certamente ele precisa de alguém mais próximo para desabafar. Conversar. Ir ao cinema. Tomar uma cerveja. Você sabe que muitas relações começam nesse momento, não sabe?
- Não vou me aproveitar dele.
- Estou dizendo que ele precisa de um amigo.
- Vocês não são mais amigos?
- Somos dois homens que viveram juntos por quase dois anos. Tudo entre nós foi sempre muito intenso. Nossa diversão era intensa. Nossas diferenças também. A amizade que a gente descobriu depois que o relacionamento começou, por agora, não pode existir. Ele não precisa de mim. Ele não pode precisar. Eu não posso ser esse cara nesse momento.
- E se vocês voltarem?
- E se o Fluminense perder?
- A gente toma um porre. E se vocês voltarem?
- Não existe sentido em terminar uma história para depois voltar atrás. Você conhece o João. Me conhece um tanto. Sabe que as nossas decisões quase sempre são sensatas. Já passou quase um mês. Tempo suficiente para qualquer boa recaída, que não vai acontecer. Eu sei, eu sinto, como uma certeza. Sabe quando você tem certeza sem nada para comprovar, para documentar? Você simplesmente sabe? Então, eu sei.
- A sensação que eu tenho é a de que você parece querer me empurrar para o João.
- Ele precisa de alguém para conversar. Ele precisa de alguém que possa ser forte com ele. Precisa de um homem. Não de um moleque para curtir, entende? Eu só consigo pensar em você. Eu sei que essa não é a forma mais delicada ou sutil de ter essa conversa. Também não cheguei aqui para falar sobre isso. Mas nós estamos falando.
- Falamos hipoteticamente. Porque eu não vejo o João desde domingo. Ele raramente fala sobre vocês. Não sei se não se sente à vontade. Ou se não quer. Eu não pergunto. Não sei muito sobre a vida pessoal dele. Se já existe alguém. Se não existe. Se ele quer que exista. Não é só porque você resolveu chegar hoje e achar que eu sou o cara ideal para te substituir ou assumir um personagem que era teu, que isso necessariamente vá acontecer.
- Não fode. Você sabe que não é sobre isso que eu estou falando.
- Sobre qual assunto você está falando?
- O João precisa de você.
- Que discurso é esse?
- Ele precisa.
- O João não é criança. Tem barba na cara, se sustenta, paga aluguel, gasolina, comida e plano de saúde. Se ele precisar de mim, ele sabe como me encontrar. Sabe onde. Sabe também que eu estou sempre disponível para qualquer desventura. Se isso acontecer, eu vou encarar como eu sempre encarei. Tenho o maior carinho por ele. A gente sempre se deu muito bem. Sem urgência. Sem tensão. Sem nenhum alarme de segundas intenções. Se continuar assim, eu não me importo. Sinceramente. Porque é bom. Parece caber nas intenções de ambos. Não transborda, não existe ausência. Cabe.
- Eu não vou ficar.
- Mas o jogo, e o jogo?
- De repente perdeu a importância. O Fluminense vai ganhar, eu tenho certeza.
- Fica.
- Perdi a vontade.
- Você não precisa se sentir mal. Eu não tenho a menor intenção de tentar qualquer flerte com ele. Com qualquer outro. Não quero me envolver. Não quero que se envolvam. Não tenho paciência para ter alguém agora. Ando profundamente intransigente. E uma nova pessoa carrega novas manias, novas diretrizes e eu, hoje, quero a tranqüilidade do antigo. Permanecer inalterável. Sem bagunça no galinheiro, entende?
- Esse é o discurso perfeito e possível. Tão possível que ele denuncia que você está vulnerável. Alvo fácil de um amor, um grande amor repentino. Que não só pega de surpresa, mas invade, enlouquece, move a mobília do lugar, te lota os dias de novas manias. Não querer ninguém, meu caro, é estar disponível para ser atropelado por algum.
- Eu não gosto dessa conversa.
- Realmente ela não é confortável.
- O que você quer que eu diga?
- Se você admitir que você gosta do João, eu já me dou por satisfeito.
- Então o jogo é esse? Eu preciso dizer o que você quer e você levanta e vai embora do bar?
- Seja verdadeiro comigo. Você gosta ou não gosta do João?
- Como é que essa conversa chegou até aqui? Tudo se resume em sim? Em não? Sim, eu gosto do João. Não, eu não quero o João. Sim, eu quero o João. Não, eu não gosto do João. E você encerra e sacia as suas dúvidas, é isso?
- Você precisa me convencer.
- Eu não preciso de nada. Não sei qual a razão dessas perguntas e ainda não compreendi muito bem as tuas insinuações, mas eu não te devo satisfações sobre as minhas opiniões se eu não quiser repartir.
- Nós somos amigos.
- Nem tão amigos assim. Já saímos para dançar. Trocamos opiniões sobre cinema e arte em geral. Algumas pessoas em comum. Mas amigos... Intimidade de amigos nós nunca experimentamos. Quando eu fiz o exame de sangue e te procurei desesperado para ir pegar o resultado comigo, você lembra o que me disse?
- Não.
- Que ia fazer compras. Não podia me ajudar porque não queria perder a liquidação da Ellus, sei lá que porra de loja era aquela. Amizade para você é isso? Trocar um momento importante por uma vitrine? Eu não vou fazer esse jogo psicológico que você tortamente me propõe. O Fluminense já perdeu uns dois gols. O jogo segue adiante.
- Me desculpe se eu não fui um bom amigo.
- Você não foi. É verdade. Não há nada que possa ser feito. Por mais sinceros que sejamos não há nada que possa ser feito. De verdade, eu não entendo essa conversa. De repente, a gente resolve falar sobre assuntos íntimos e vamos lavar a roupa suja?
- Nem tão suja assim. Você parece se defender.
- Estou apenas questionando essa tua estranha atitude.
- Eu falo do João. O cara que talvez seja o homem da minha vida. Ele é. Independente do que há de vir. E quando eu falo dele para você, eu tenho certeza que os meus olhos brilham porque eu tô falando de alguém que me coloca em estado de alerta. Em movimento. Eu falo de alguém que me provoca vida. Desejo. Paixão. Uma série de sensações indisfarçáveis. Potentes. Então me perdoe se eu não sou capaz de falar sobre esse homem de maneira parcial. Para falar nele, eu preciso ser pessoal. Íntimo.
- Se ele é esse cara tão importante, então repense esse fim. Discuta. Converse mais. Porque você parece querer me impressionar com esse discurso. Para que eu, sei lá, saiba que ele é esse super bom partido e queira talvez... Tentar. Mas ao mesmo tempo em que você me faz a oferta, você parece não querer se desfazer dela.
- Você não entende.
- Se ele te provoca esses tremores, não termine.
- Esse tipo de conselho eu dispenso. Não preciso de um psicólogo. De verdade. Terminar uma relação não é jogar tudo fora. É guardar com carinho tudo o que houve. Guardar uma infinidade de momentos que você teve com aquela pessoa e só com aquela pessoa e deixar isso virar uma boa lembrança.
- Vocês conversaram?
- Tudo o que foi possível falar. Debater. Brigar. Tudo o que foi possível chorar. O que terminou foi o relacionamento, a vida a dois. Terminar não é desatar. Não é desertar. Amassar o João e jogar no lixo. Não. O bem querer permanece.
- Então eu não entendo.
- Perdoe a crueldade do que eu vou te dizer.
- Diga.
- Você já me disse que não entende algumas vezes durante essa conversa.
- Eu sei o que eu disse.
- Você não entende porque você nunca viveu uma história. Você nunca teve alguém com você, dividindo os dias, a vida, a intimidade e eu não tô falando em sexo não. Porque sexo eu sei que você compreende. Intimidade de juntar o dinheiro para pagar as contas, de ir junto ao mercado, fazer a feira de sábado com mau humor. Intimidade de ter a oportunidade de conhecer tudo o que existe de mais bacana em alguém e experimentar aquela humanidade de dar a descarga no banheiro, de desentupir a pia da cozinha, de permitir que ele lave as tuas roupas, de presenciar o cabelo bagunçado ao acordar, o hálito das sete da manhã. E se todo o amor que existe ao redor desse universo, machuca mais do que enaltece, a gente pensa em separar. Senta, solta os cachorros, faz amor, tenta outra vez, leva adiante. E se continua a machucar mais do que enaltece, a gente senta e discute e já sabe que vai fazer mais sexo e menos amor. Então a gente percebe. No engasgo. E separa. Antes que se torne insuportável. A gente separa para não se perder. E você só vai compreender isso quando você viver com alguém.
- Você não sabe nada sobre a minha vida.
- Claro que eu sei.
- Onde você quer chegar?
- Cuide do João.
- E se...
- Não entre nesse jogo sem volta do ‘e se’. Cuide dele. Seja o amigo que eu não posso ser. O resto é com vocês, eu não posso e não devo participar.
- Não posso te prometer nada.

O Fluminense perde de um a zero no Maracanã. Segundos antes do primeiro gol tricolor, na gritaria e euforia carioca de um bar de esquina, ele entra no bar. Com os olhos na televisão. Com o coração despedaçado por outros motivos. Com o coração nas mãos porque time de futebol provoca essas emoções. O Fluminense empata. E todos se abraçam. Gritam. Festejam.

No canto da mesa, os dois. No canto da mesa, agora os três.

- Olá meninos.
- Olá João.


terça-feira, junho 03, 2008

DICAS DE JUNHO


1 O Preço da Coragem de Michael Winterbottom

Assisti no Festival do Rio no ano passado e a tensão continua na mesma medida na revisão. Tanto Angelina Jolie quanto o diretor agem de forma discreta. Se ela controla a emoção por todo o filme e só explode em um único momento, o diretor equilibra com categoria o drama da jornalista Mariane Pearl ao embarcar numa jornada pelo Oriente Médio para descobrir a verdade sobre a morte do marido, o jornalista Daniel Pearl. (DVD)


2 A Pequena Sereia de Ron Clements e John Musker

No conto original do Andersen, a sereia morre no final. Na adaptação do pessoal da Disney, é impressionante como as músicas do Alan Menken se encaixam na história da sereia Ariel, que insatisfeita com a sua vida no mar, se apaixona por um mortal. Eu sou fã de desenhos. Essa semana eu resolvi rever porque me disseram que a versão especial foi dublada por outra equipe. Na verdade, o filme continua adorável. E muito divertido. (DVD)


3 Antes que o Diabo Saiba que Você está Morto de Sydney Lumet

Último filme que assisti no Festival ano passado, ganha estréia por aqui em duas semanas. Sou fã do Lumet e ele consegue um trio de protagonistas masculinos admirável. O Chico diz que quanto menos você souber sobre a trama, melhor o filme pode ficar. Então não leia sobre. Ethan Hawke e Philipp Seymour Hoffman são irmãos. Albert Finney é o pai. Marisa Tomei está estonteante. E as relações humanas voltam a encantar Sydney Lumet. (CINEMA)


4 Across the Universe de Julie Taymour

A diretora Julie Taymour abandona as cores de Frida e mergulha no universo dos Beatles. O musical é costurado por personagens que se encontram e se relacionam cantando boa parte da obra dos rapazes ingleses. Muita gente acha um grande vídeo clipe. Alguns acham um saco. Particularmente, sou fã da trilha sonora, acho o filme uma graça e quero um Jim Sturgees para mim (ele está também em Quebrando a Banca e A Outra). (DVD)


5 Madame Satã de Karim Ainõuz

João Francisco dos Santos, pernambucano, mais conhecido como Madame Satã, foi um transformista brasileiro, personagem emblemático da vida noturna e marginal do Rio de Janeiro na primeira metade do século XX. Freqüentemente, Madame Satã enfrentava a polícia, sendo detido por desacato à autoridade. Exímio capoeirista , lutou por diversas vezes contra mais de um policial, geralmente em resposta a insultos que tivessem como alvo mendigos, prostitutas, travestis e negros. E Lázaro Ramos é espetacular. (DVD)


6 O Orfanato de Juan Antonio Bayona

Existe uma safra de filmes espanhóis que conseguiram criar uma atmosfera, onde o suspense, a fantasia e uma boa história conduzem a atenção do espectador. O Orfanato é muito complicado se eu tentar resumir a trama, mas muito simples quando você assiste, especialmente quando não usa o diálogo. Existe uma seqüência que me apavorou, mas eu não sou parâmetro, vou avisando e a Belen Rueda é uma atriz interssantíssima. (DVD)


7 Bella de Alejandro Gomez Monteverde

Um jogador de futebol, no auge da sua carreira, perde todo o prestígio ao se envolver numa tragédia. Anos depois, ele ajuda uma companheira do emprego e os dois passam a tarde juntos. O filme estrutura-se praticamente todo nessa tarde e a maneira como os conflitos vão sendo revelados, me cativou de imediato. Sensível. E o ator principal, Eduardo Verástegui, é o rosto mais bonito que vi no cinema nos últimos tempos. (CINEMA)


8 Then She Found Me de Helen Hunt

Drama da atriz Helen Hunt, onde ela protagoniza a história de uma mulher quarentona, que se separa do marido um dia após o casamento. Judia, ela reencontra a mãe biológica depois de anos e se apaixona pelo pai de um aluno. Ágil, divertido e interessante, ainda conta com as participações de Colin Firth, Mathew Broderick e Bette Midler, finalmente bem aproveitada. Espero que ganhe distribuição por aqui, porque é uma delícia. (BAIXADO)


9 Longe Dela de Sarah Polley

Confesso que eu torci contra a Julie Christie porque eu queria muito que a Marion Cotillard ganhasse o Oscar. Revendo essa semana, além da delicada e madura direção da Sarah Polley (que eu adoro em Madrugada dos Mortos), eu me pergunto como ignoraram o Gordon Pinsent e a Olympia Dukakis? Como? Um belo trabalho sobre o mal de Alzheimer, que em nenhum momento escorrega para o dramalhão, onde Julie Christie contribuiu para a credibilidade do filme. (CINEMA)


10 SHORTCUTS de Robert Altman

Eu acho que um grande filme pode se valer de pequenas boas histórias e o Altman é mestre em juntar esses retalhos. Adaptando o contista Raymond Carver, o diretor registra o cotidiano de pequenos personagens e como os acontecimentos os afetam. Como os personagens se cruzam. Como a naturalidade é rica nos detalhes. Como a Lily Tomlin é boa atriz. E a Juliane Moore lá atrás, já dava indícios de que se transformaria na atriz que é hoje. (TELECINE)