PROIBIDO PROIBIR de Jorge Duran
O telefone tocou e eu resolvi atender porque era a Mila. Só ela me conhece do avesso. Só ela compreende um tanto da minha vida, dos meus atritos e desvios. Só ela sabe o quanto eu e o Alexandre somos tão sem nexo, embora nos encaixemos. Em algum momento fazemos sentido. Ou fizemos.
Marcamos no mesmo bar de sempre, ali no fim da Lapa, já na Mem de Sá. Lá a cerveja é barata e as pessoas sempre aparecem. Se alguém atrasar, a gente segura a onda com o pessoal de sempre. Eu sinceramente não esperava encontrar o Alê à mesa, no momento em que entrei no bar. Eu disse ‘boa noite’ e entre o início e o fim dessa frase, os meus olhos se encontraram com os dele, meu coração disparou e eu desviei o olhar.
- Boa noite – ele me respondeu sem alarde.
Abracei quem estivesse mais próximo. Quem eu sentia saudade. Quem pudesse me servir de apoio, de escape. Distribuí e ganhei sorrisos e ‘alôs’. Os mais íntimos, no abraço, ao pé do ouvido, sacavam suas dúvidas e curiosidades:
- Vocês não estão se falando?
Descobri que a melhor maneira de fugir de algum assunto delicado é permanecer em silêncio absoluto. A gente levanta a sobrancelha e pisca os olhos como quem diz ‘tudo vai se resolver’, até que o outro perceba que não há resposta. Que não haverá resposta e algumas perguntas não deveriam ser feitas. Se a pessoa insistir, você usa o ‘isso é particular’. Ou então responde com alguma pergunta absurda:
- Você leu sobre o maremoto em Brasília?
Mila chegou e antes de me encontrar no balcão do bar, foi surpreendida pela presença do Alexandre e por um abraço demorado. Não sei se ele fez para me irritar ou se, de fato, precisava ser abraçado. Eles conversaram por muito tempo. Daquelas conversas íntimas, para quem observa de fora. O tom de voz muito baixo. Os olhos nos olhos. A atenção ao redor, para que ninguém pudesse ouvir. E eu, inteiramente impaciente no canto do bar. Quase claramente contrariado, afinal quem marcou com a Mila fui eu. Eu que deveria estar falando sobre ele. Enumerando as minhas razões. Justificando a minha atitude. Desabafando.
Quando o Pedro entrou no salão, eu já estava pensando em ir embora. Não fosse ele o motivo de boa parte das brigas que eu tive com o Alê, a conversa com a Mila não terminaria em frações de segundos. Essa implicância gratuita com o Pedro sempre me irritou. Primeiro porque eu nunca me interessei por outra pessoa depois que nós começamos a namorar. Toda atração aparente, eu sempre transformei em comentário. E isso sempre foi motivo de risada entre nós. Quase nunca concordávamos. E frequentemente atribuíamos notas aos rapazes. O Pedro sempre foi um seis para mim. Embora o Alê insistisse na idéia de que ele me cantava deliberadamente, nunca percebi nada além de simpatia, dentes brancos e uma invejável cultura cinematográfica.
- Pensei em você – Pedro me disse ao se aproximar.
- Por que não me ligou?
- Vi o filme do Duran. Pensei em você na hora. É o tipo de filme que vai te inspirar bons textos.
- Eu não sabia que você lia o que eu escrevo.
- Agora já sabe – ele me disse sorrindo.
Sorrindo o Pedro era um sete. Definitivamente. Mila interrompe. Mila quando se aproxima não se preocupa com atropelamentos. Não importa se estou ao telefone, no meio de uma conversa ou de um beijo. Mila não respeita nem beijo. Quando eu e o Alê fizemos aniversário de namoro, se eu não me engano o terceiro, ela interrompeu o nosso beijo para dizer qualquer absurdo que não cabia no momento. Eu nunca soube se ela fazia isso de propósito ou apenas para se fazer presente. Sempre relevei, mas confesso que estou começando a ficar irritado.
- Olá meninos! – ela se debruçou acima da frase do Pedro.
- Você veio de carro, Pedro? – perguntei respondendo o seu ‘olá’.
Ele acenou que sim e me perguntou se eu queria uma carona.
- Eu não vou ficar por muito tempo. Eu tô exausto. Só passei para dar um alô.
- Você já vai embora? – Mila, sempre ela.
- Aceito a sua carona, Pedro.
- Mas nós não conversamos. – ela reivindicou.
- Outra noite, Mila.
- Você não vai fazer uma cena porque o Alê me prendeu para conversar, vai?
- Não, eu só vou embora.
- Você queria que eu o deixasse falando sozinho?
- Eu não sei, Mila. Mas eu só aceitei sair de casa para te ver. Se eu soubesse que ele ia aparecer, eu teria evitado esse encontro. Eu estou nesse balcão há uns quarenta minutos. Então não espere de mim a melhor recepção. Prefiro ir embora. Outra hora a gente conversa.
- Uma cerveja? – sedutora.
- Não – encerrei.
Pedro assiste a tudo. O seu silêncio me conforta. O seu silêncio é cúmplice.
- Quando você decide, não há quem mude a sua opinião – ela pediu a conta.
Marcamos no mesmo bar de sempre, ali no fim da Lapa, já na Mem de Sá. Lá a cerveja é barata e as pessoas sempre aparecem. Se alguém atrasar, a gente segura a onda com o pessoal de sempre. Eu sinceramente não esperava encontrar o Alê à mesa, no momento em que entrei no bar. Eu disse ‘boa noite’ e entre o início e o fim dessa frase, os meus olhos se encontraram com os dele, meu coração disparou e eu desviei o olhar.
- Boa noite – ele me respondeu sem alarde.
Abracei quem estivesse mais próximo. Quem eu sentia saudade. Quem pudesse me servir de apoio, de escape. Distribuí e ganhei sorrisos e ‘alôs’. Os mais íntimos, no abraço, ao pé do ouvido, sacavam suas dúvidas e curiosidades:
- Vocês não estão se falando?
Descobri que a melhor maneira de fugir de algum assunto delicado é permanecer em silêncio absoluto. A gente levanta a sobrancelha e pisca os olhos como quem diz ‘tudo vai se resolver’, até que o outro perceba que não há resposta. Que não haverá resposta e algumas perguntas não deveriam ser feitas. Se a pessoa insistir, você usa o ‘isso é particular’. Ou então responde com alguma pergunta absurda:
- Você leu sobre o maremoto em Brasília?
Mila chegou e antes de me encontrar no balcão do bar, foi surpreendida pela presença do Alexandre e por um abraço demorado. Não sei se ele fez para me irritar ou se, de fato, precisava ser abraçado. Eles conversaram por muito tempo. Daquelas conversas íntimas, para quem observa de fora. O tom de voz muito baixo. Os olhos nos olhos. A atenção ao redor, para que ninguém pudesse ouvir. E eu, inteiramente impaciente no canto do bar. Quase claramente contrariado, afinal quem marcou com a Mila fui eu. Eu que deveria estar falando sobre ele. Enumerando as minhas razões. Justificando a minha atitude. Desabafando.
Quando o Pedro entrou no salão, eu já estava pensando em ir embora. Não fosse ele o motivo de boa parte das brigas que eu tive com o Alê, a conversa com a Mila não terminaria em frações de segundos. Essa implicância gratuita com o Pedro sempre me irritou. Primeiro porque eu nunca me interessei por outra pessoa depois que nós começamos a namorar. Toda atração aparente, eu sempre transformei em comentário. E isso sempre foi motivo de risada entre nós. Quase nunca concordávamos. E frequentemente atribuíamos notas aos rapazes. O Pedro sempre foi um seis para mim. Embora o Alê insistisse na idéia de que ele me cantava deliberadamente, nunca percebi nada além de simpatia, dentes brancos e uma invejável cultura cinematográfica.
- Pensei em você – Pedro me disse ao se aproximar.
- Por que não me ligou?
- Vi o filme do Duran. Pensei em você na hora. É o tipo de filme que vai te inspirar bons textos.
- Eu não sabia que você lia o que eu escrevo.
- Agora já sabe – ele me disse sorrindo.
Sorrindo o Pedro era um sete. Definitivamente. Mila interrompe. Mila quando se aproxima não se preocupa com atropelamentos. Não importa se estou ao telefone, no meio de uma conversa ou de um beijo. Mila não respeita nem beijo. Quando eu e o Alê fizemos aniversário de namoro, se eu não me engano o terceiro, ela interrompeu o nosso beijo para dizer qualquer absurdo que não cabia no momento. Eu nunca soube se ela fazia isso de propósito ou apenas para se fazer presente. Sempre relevei, mas confesso que estou começando a ficar irritado.
- Olá meninos! – ela se debruçou acima da frase do Pedro.
- Você veio de carro, Pedro? – perguntei respondendo o seu ‘olá’.
Ele acenou que sim e me perguntou se eu queria uma carona.
- Eu não vou ficar por muito tempo. Eu tô exausto. Só passei para dar um alô.
- Você já vai embora? – Mila, sempre ela.
- Aceito a sua carona, Pedro.
- Mas nós não conversamos. – ela reivindicou.
- Outra noite, Mila.
- Você não vai fazer uma cena porque o Alê me prendeu para conversar, vai?
- Não, eu só vou embora.
- Você queria que eu o deixasse falando sozinho?
- Eu não sei, Mila. Mas eu só aceitei sair de casa para te ver. Se eu soubesse que ele ia aparecer, eu teria evitado esse encontro. Eu estou nesse balcão há uns quarenta minutos. Então não espere de mim a melhor recepção. Prefiro ir embora. Outra hora a gente conversa.
- Uma cerveja? – sedutora.
- Não – encerrei.
Pedro assiste a tudo. O seu silêncio me conforta. O seu silêncio é cúmplice.
- Quando você decide, não há quem mude a sua opinião – ela pediu a conta.
No estacionamento, antes de entrar no carro do Pedro, uma crise de choro me surpreendeu. E eu deixei. Pedro não disse nada. Nenhuma palavra. Pedro não me disse que tudo vai ficar bem. Ou que vai passar. Não disse que é assim mesmo. Que chorar alivia. Que todo mundo sofre por amor. Que ele estava ali para me ajudar, que ele era um ombro amigo. Nenhuma palavra. Pedro se aproximou. Foi só o que ele fez. Ele se aproximou e me fez carinho enquanto eu chorava.