ALISSA
Por que nós paramos?
HOLDEN
Porque eu não agüento mais.
ALISSA
Não agüenta mais o que?
HOLDEN
Eu te amo.
ALYSSA (perplexa)
Você me ama?
HOLDEN
(Meu trecho preferido de Procura-se Amy, do Kevin Smith que também escreveu esse diálogo)
- Vamos abrir outra?
- Vamos abrir outra!
- Sério?
- Por que não?
- Você não disse que sonhou comigo?
- Eu disse?
- Pelo telefone, mais cedo.
- Besteira. Sonhos desses que a gente deixa de lembrar no decorrer do dia.
- Você não teria me dito que sonhou comigo se não lembrasse.
- Tudo certo, eu me lembro. Podemos não falar sobre isso?
- Deixa eu encher teu copo. Me conta.
- Podemos não falar sobre isso agora?
- Fui visitar o Sérgio no hospital.
- E como ele está?
- Eu me senti tão mal. Na recepção eles me indicaram o número do quarto dele. No final do corredor, a enfermeira me disse. O corredor mais longo da história da arquitetura hospitalar. Incrível como alguém como o Sérgio tão cheio de vida, tão incrível, esteja internado daquela maneira. Quando eu entrei no quarto, houve um silêncio. Um silêncio desconfortável. O Márcio nem me cumprimentou. Eu entrei e ele saiu com os olhos quase saltando. De ódio, naturalmente. Dona Sônia me abraçou e disse alguma coisa carinhosa, terminando com ‘meu filho’. Ela sempre termina as frases que me diz com um ‘meu filho’. Quer café, meu filho? Que bom que você está aqui, meu filho. O Sérgio está morrendo, meu filho.
- Me conta como é que o Sérgio está. Você só falou de você.
- Não sei. Eu me aproximei. Aquela máquina assustadora de oxigênio. Aqueles fios. Soro, medicação, aqueles bips dos aparelhos. Eu me aproximei e ele fechou os olhos, como quem adormece. Acho que ele me viu, não sei. Eu coloquei a minha mão na testa dele. Suada. Eu fiquei ali, parado, observando o Sérgio. Imaginando onde é que poderia estar toda a alegria dele. O desejo enorme de viver que ele me alertou. Algum traço, algum vestígio. Mas ele dormiu. Depois eu me despedi e caí no primeiro boteco que eu encontrei. Sabe que deveria vender álcool no hospital? De vodka pra cima. O sujeito saía para espairecer, fumava um cigarro e tomava umas biritas antes de voltar ao quarto.
- Você já tinha bebido antes de me encontrar?
- Você me conhece. Duas garrafas para te deixar tonto. Vinte para me fazer ficar alegre.
- Nós já bebemos uns oitenta reais, cara.
- Você podre, eu quase alegre.
- Tonto, definitivamente.
- Você sumiu.
- Não vamos cavar motivo para brigar.
- Você sumiu. Desapareceu. Deixou de telefonar. Não apareceu mais nas festas. Nos bares. Nos aniversários. Você perdeu o aniversário do João. Um grande foda-se na verdade.
- Eu não quero ter essa conversa.
- Vai sair correndo? Vai entrar num táxi como da última vez? Por que você não me encara nos olhos e me diz o que há? Me diz.
- Nada, não há nada acontecendo. Essa mania ridícula de querer encontrar explicação em tudo. Qual o problema se eu não apareço? Não telefono? Que obrigação é essa agora? E se sentem a minha falta e se reclamam da minha ausência, por que não me telefonam? Por que não buscam por mim? Porque é mais fácil abrir a boca pra falar um monte de merda. Pra tentar justificar atos que não precisam de justificativa.
- Eu sempre te telefono.
- Não vou entrar, eu não vou entrar nessa competição tola. É tola. Parece que o tempo, a porra do tempo, faz com que a gente se desconheça. Deixe de lembrar como é o outro, como funciona o outro. A gente resolve esquecer que aniversários não são datas tão importantes assim e que foi também esse fato que despertou interesse anos antes, quando a gente mal se conhecia. Que era o máximo saber que o outro só saía para o bar ou para curtir quando sentia vontade. Era o máximo só fazer o que dava vontade. Autêntico. Mas a gente se acostuma. Ou enjoa. Ou enche o saco. E vira provocação. Vira um grande saco. Uma babaquice.
- Não é isso.
- Não me toque, por favor. Não me toque.
- Olha a cena, vai.
- Não há mais ninguém aqui. Olhe ao redor. Não há público. Não há cena.
- Me diz, vai. Por que você sumiu? Ou melhor, o que você sonhou comigo?
- Então não se trata de uma explicação. Você não quer saber os motivos. Você só quer provar que sempre consegue o que você quer.
- Eu me esforço.
- Não adianta o chamego. Deixa a minha mão quieta.
- Você não gosta mais de me fazer cafuné?
- Não. Nós estamos bêbados.
- Você está bêbado.
- Não posso.
- Me faz um cafuné, vai.
- Eu não posso.
- Não pode?
- Eu não posso tocar você. Cada vez que eu te toco, alguma coisa em mim se espatifa, se multiplica. Alguma coisa em mim morre com mais vontade de renascer.
(Silêncio)
- Eu vou embora.
- Dorme lá em casa.
- Eu quero ir embora.
- Tudo bem, sem problemas.
- Eu sonhei com você. Que eu fazia sexo com você. Não era nada pornográfico. Era sensual. Era sexual, natural, mas fazia o maior sentido. Eu sabia que eu estava sonhando e eu me ouvia dizer ‘é claro, isso faz o maior sentido, todo esse tempo’. A gente se encaixava, a gente tinha um ritmo de encaixe e isso era o mais excitante: descobrir um outro tipo de química entre nós.
- Era esse o teu grande mistério?
- O que você esperava? Que eu entrasse no bar e logo após apertar a sua mão eu dissesse que no meu sonho dessa madrugada, o teu pau estava na minha boca. É isso o que você esperava?
- Dorme lá em casa?
- Eu vou embora. Eu passo mal no meu banheiro. Eu durmo no chão do meu quarto. Choro esse desconforto sozinho. E amanhã curo a minha ressaca sem o teu eco.
- Se eu fizer uma coisa movido pelo impulso, você vai me odiar?
- Você enlouqueceu, cara? O que foi isso?
- Um beijo. Só a tentativa de um beijo.
- Eu não quero o seu beijo. Eu não quero. Me deixa ir embora? Por favor? Eu não tenho mais raciocínio, mais coordenação. Eu levanto, você me coloca no táxi. Simples.
- Por que eu não posso te beijar?
- Eu não sei. Eu não quero. É difícil pra mim. É impossível te explicar. Não é possível que você me entenda?
- Não faz sentido, na verdade. Não foi o que você sempre quis?
- Não. Dessa forma? Bêbado, patético, sem consciência para aproveitar? Vivenciar? Não, eu não quero assim. Fora de foco, descoordenado, me deixando levar por qualquer toque. Alguns anos atrás, eu embarcaria no teu beijo e provavelmente ia achar o máximo. Eu ia ficar orgulhoso e comentar com algum amigo mais próximo. Mas não faz sentido agora.
- Qual a diferença?
- A diferença é que eu ainda tenho algum respeito pelo sentimento que eu tenho por você. E não vou ferrar com tudo porque você resolveu ter um impulso, achando que eu te corresponderia porque eu sou tão devoto e tão submisso aos teus caprichos, que eu vou aceitar o teu beijo e depois dormir na sua casa. Não dá. Não pra mim. Não dessa forma. Eu não quero desgostar de você, mas se você me trata feito merda, fica muito difícil.
- O que você espera de mim?
- Que você me coloque no primeiro táxi que passar.
- Você vai jogar na cara que eu abandonei o Sérgio, não vai?
- Não. O Sérgio nunca foi problema meu. Ele não falava comigo, tinha as razões dele e eu respeitava. Sinto muito que ele esteja nessa situação. Mas esse é um problema seu. Agora, por favor, eu preciso sair daqui mas eu não consigo me equilibrar. Eu preciso da tua ajuda para...
- Eu te ajudo.
- Obrigado.
- Eu te ligo quando eu chegar em casa.
- Se eu não te atender, é porque eu dormi.
- Você me desculpa?
- Por todos esses anos?
- Pelo beijo.
- Pela tentativa do beijo. Sim, sem problemas.
- É muito difícil.
- Eu imagino. Mas sempre é muito difícil para cada um de nós. E a gente não se abandona.
- Por muito menos se abandona.
- Outra noite tive o pior pesadelo do universo. Só não foi pior porque você aparecia e me salvava. Era um lance meio super-heróico mesmo. Depois você me deixava em casa (voando talvez) e eu te agradecia banalmente. Sabe essa educação que nos é peculiar? Obrigado, por favor, com licença. E você ia embora. Depois eu acordei, de fato e vi o relógio, 3 da manhã. Não ia te ligar essa hora, quem costuma fazer isso é você e não vou roubar teu hábito. Mas é isso mesmo. A gente vive se salvando. No fim das contas, é tudo uma questão de ser salvo pelo outro e estar pronto para salvar. E isso é lindo.