GLEE de Ryan Murphy, Ian Brennan, Brad Falchuc
Vou nos situar, meu querido, caso no futuro, peguemos, eu ou você, essa carta e a memória não nos seja tão mais confiável. Estamos os dois no Rio de Janeiro e é madrugada do dia vinte e um de janeiro de dois mil e doze. Já é sábado. Não consigo dormir e penso em você. E penso em nós dois. Em busca do sono, fui ver o episódio de Glee dessa semana. A série está na terceira temporada e retomou das férias de final do ano. O episódio é o décimo e eu, aos trinta e quatro anos fico comovido ou arrepiado com os adolescentes e suas descobertas e complicações, impedimentos, realizações. Há disparidade, certamente, entre as fases da vida em que me encontro e a que os adolescentes enfrentam na série de televisão. E eu já aprendi que a vida não é um musical, acho. Mas acontece um pequeno fenômeno ali em Glee que eu gosto muito, que é de como a música pode ser usada para substituir o diálogo, para narrar uma sensação, para exemplificar e ali na facilidade da televisão, resolver as questões. Há esse pequeno – e insisto no pequeno – fenômeno, feito uma epifania que se cumpre. O cara vai lá, canta e alguém percebe que. Alguém insiste em. Alguém ama mais alguém. Alguém grita por. Ou reúne os. Ou desiste de. Ou chora por. E também sorri aos. Eu acho bonito mesmo. E sei que o programa desperta a ira dos críticos e o chamam de raso, de fake, de péssimo, irritante, surreal. Eu não ligo. Ainda vivemos uma época em que podemos gostar ou desgostar de alguma coisa e podemos manifestar isso. Mesmo quando somos gratuitamente agredidos apenas por mostrar interesse, o que me levaria para outra questão, mas não.
Glee me fez me aproximar da minha sobrinha de dezesseis anos de uma forma muito especial. Eu torcia o nariz para a série. Ela era fã e me convidou a assistir junto com ela. Passamos a nos entender mais e melhor na época que ela morou comigo e nós ríamos e também criticávamos o que considerávamos excessivo, mas sempre com um olhar carinhoso pelas personagens, à espera das próximas canções, reunindo os mp3’s que mais gostávamos, torcendo pelos rapazes apaixonados, pela Britney e a incrível Santana da Naya Rivera, que não sabem como resolver a sexualidade, mas se amam lindamente e uma série de personagens que me dariam páginas e páginas, mas não.
Então o episódio dessa semana trouxe de volta ‘The First Time Ever I Saw Your Face’. Que é cantada desde mil novecentos e cinquenta e sete. Foi interpretada por muitos cantores e a primeira vez que ouvi na vida foi na voz do Johnny Cash. Sempre me pareceu uma letra que poderia traduzir milhares de histórias e casais e corações alheios, mas até então era só uma canção de amor. Depois, muito tempo depois, em dois mil e seis, a Leona Lewis gravou no primeiro disco dela logo após ganhar o The X Factor, o primeiro, se não me engano. Era a última canção do cd e quando eu ouvi, eu me arrepiei todo porque pela primeira vez na vida, eu compreendia aquela letra. Eu era apaixonado por você e sentia tudo o que os apaixonados sentem. E aquela mulher, aquela melodia, aquelas frases, porra, eu entendo, cara. Olha, eu entendo, universo. Depois a gente se maltrata, sofre, escreve cartas, ama novas pessoas e aquela música não chega a virar uma maldição, mas evita-se. Adia-se. Mas as meninas de Glee, as quatro meninas de Glee, as leading voices de Glee – Lea Michele, Amber Riley, Jenna Ushkowitz e minha preferida Naya Rivera – foram lá cantar pra mim a primeira vez que eu vi o seu rosto.
Eu me lembro exatamente. Descendo as escadas daquela escola no Centro onde fizemos o vestibular. Me chamaram, me puxaram e a primeira imagem é a de você discutindo questões. ‘Que cara metido a sabido’ – eu pensei na hora. ‘Que cara incrível’ – eu demorei um tempo a admitir. Eu tenho ciência de que nossas impressões serão sempre diferentes. Eu fui apaixonado por você por tantas temporadas e você nunca se apaixonou por mim. Pensei que esse fato fosse nos distanciar e nos inibir qualquer aproximação, mas abrimos mão, ambos e baixamos as armas, em tempos diferentes e quando a gente percebeu, havia muita história, muita intimidade, muita alegria e paciência, condescendência também, havia uma segurança maiúscula e decisiva, hoje acredito, que nos transformou. Me machucou muito também que não estamos em um episódio de Glee.
Você ainda é o homem que imediatamente surge no meu pensamento ao ouvir essa canção. Acho que sempre será, já que foi você quem deu sentido a ela, para mim. Mesmo sem todos os beijos, a intimidade da cama, que confesso, cheguei a imaginar, fantasiar, desenhar, por muito pouco tempo, também admito. Houve rapidamente a percepção de uma incompatibilidade. Ou o receio de uma exposição que nos apodreceria, caso misturássemos o meu amor com o meu desejo. Eu sempre evitei a loucura das noites selvagens e fugi, entrei num táxi, não apareci. Sempre fiquei sabendo depois dos fatos apimentados. Eu me perguntava silenciosamente – e se eu estivesse lá? E se? Eu deixei a imaginação de lado. Intuitivamente, eu me exilava das madrugadas onde eu detectava qualquer situação onde eu pudesse causar qualquer desconforto. Para mim, principalmente.
É uma música que ao te escrever essa carta, deixa de ser secreta, ainda que nunca tenha escondido esse fato. Mas como o amor foi meu, os mecanismos e os falsos mecanismos de defesa volta e meia, me derrubam em alguma armadilha vagabunda. Feito essa canção.
Você sempre reagiu ao meu amor sendo o melhor amigo que alguém poderia ter. Essa foi a maneira que você encontrou de não me deixar escapar, de não me magoar, de tentar me preservar ao redor, ao lado, feito um porto que é seguro, você mesmo usa essa metáfora, acho bonito. Você sempre reagiu carinhosamente cada carta, cada e-mail, cada texto, cada frase, mesmo quando não imediatamente, no momento que você julgou exato, necessário. Sempre foi íntimo, mesmo sem esse coisa de entrar e sair um do outro, mas sempre íntimo, no sentido de confiar, de confidenciar, de apostar no outro como o amigo, o melhor amigo, que você soube me transformar e principalmente, manter. Eu nunca soube o que fazer com o meu amor. Sempre um fantasma, vagando por corredores enormes, à espera de qualquer susto, qualquer iniciativa, qualquer surpresa que não veio. Nunca virá. À espera. Feito alguém cheio de fé em alguma coisa invisível que não se explica e do qual nada sabemos, nada, crente, cheio de uma esperança que se renovava. E me dava material para escrever e traduzir os rasos conflitos comuns de alguém apaixonado por alguém que não é apaixonado por ele de volta.
É uma história clássica, cheia de retóricas e alguns momentos de sinceridade impiedosos, constrangedores, caso eu ligasse para a opinião alheia. E que durou, vem durando, dura mais tempo do que deveria, mereceria. Você ainda é o cara do qual eu me lembro com carinho e alguma propriedade ao ouvir uma canção em Glee. Você ainda é minha primeira opção para dividir uma alegria, uma conquista, um brinde. E também as decepções, as reclamações, as chatices dos dias. Não há mal algum nisso e embora tenha durado tanto, essa é uma das raras vezes que me sinto deslocado, como se falasse sozinho e o som da minha voz ecoasse para evidenciar o espaço que existe. Talvez tenha sido sempre assim. Eu declarando o que havia para declarar para uma parede, que não me retorna o afeto, que recebe e recebe e recebe, mas não vai responder. É uma imagem triste e também patética, se eu quiser ser cruel. E eu nunca tinha imaginado esse quadro dessa forma.
De qualquer maneira, eu queria te dizer um monte de coisas. Eu sempre evito usar ‘coisas’ porque acredito que todas elas tenham um nome. Mas acho que é hora de uma conversa, ao vivo, longe do romantismo fake das cartas e textos, para que eu possa seguir e seguir e seguir. Sem você numa sala vazia. Sem sala vazia. Sem você. Sem você ocupando um lugar que você nunca ocupou e nunca quis ocupar e que eu te coloquei, egoísta que sou. Me perdoe por isso. E obrigado por isso, também.
Os vídeos das versões citadas. Espero que ainda possamos acessá-los sem ferir direitos autorais, apenas ouvir, conhecer, recomendar.
Glee me fez me aproximar da minha sobrinha de dezesseis anos de uma forma muito especial. Eu torcia o nariz para a série. Ela era fã e me convidou a assistir junto com ela. Passamos a nos entender mais e melhor na época que ela morou comigo e nós ríamos e também criticávamos o que considerávamos excessivo, mas sempre com um olhar carinhoso pelas personagens, à espera das próximas canções, reunindo os mp3’s que mais gostávamos, torcendo pelos rapazes apaixonados, pela Britney e a incrível Santana da Naya Rivera, que não sabem como resolver a sexualidade, mas se amam lindamente e uma série de personagens que me dariam páginas e páginas, mas não.
Então o episódio dessa semana trouxe de volta ‘The First Time Ever I Saw Your Face’. Que é cantada desde mil novecentos e cinquenta e sete. Foi interpretada por muitos cantores e a primeira vez que ouvi na vida foi na voz do Johnny Cash. Sempre me pareceu uma letra que poderia traduzir milhares de histórias e casais e corações alheios, mas até então era só uma canção de amor. Depois, muito tempo depois, em dois mil e seis, a Leona Lewis gravou no primeiro disco dela logo após ganhar o The X Factor, o primeiro, se não me engano. Era a última canção do cd e quando eu ouvi, eu me arrepiei todo porque pela primeira vez na vida, eu compreendia aquela letra. Eu era apaixonado por você e sentia tudo o que os apaixonados sentem. E aquela mulher, aquela melodia, aquelas frases, porra, eu entendo, cara. Olha, eu entendo, universo. Depois a gente se maltrata, sofre, escreve cartas, ama novas pessoas e aquela música não chega a virar uma maldição, mas evita-se. Adia-se. Mas as meninas de Glee, as quatro meninas de Glee, as leading voices de Glee – Lea Michele, Amber Riley, Jenna Ushkowitz e minha preferida Naya Rivera – foram lá cantar pra mim a primeira vez que eu vi o seu rosto.
Eu me lembro exatamente. Descendo as escadas daquela escola no Centro onde fizemos o vestibular. Me chamaram, me puxaram e a primeira imagem é a de você discutindo questões. ‘Que cara metido a sabido’ – eu pensei na hora. ‘Que cara incrível’ – eu demorei um tempo a admitir. Eu tenho ciência de que nossas impressões serão sempre diferentes. Eu fui apaixonado por você por tantas temporadas e você nunca se apaixonou por mim. Pensei que esse fato fosse nos distanciar e nos inibir qualquer aproximação, mas abrimos mão, ambos e baixamos as armas, em tempos diferentes e quando a gente percebeu, havia muita história, muita intimidade, muita alegria e paciência, condescendência também, havia uma segurança maiúscula e decisiva, hoje acredito, que nos transformou. Me machucou muito também que não estamos em um episódio de Glee.
Você ainda é o homem que imediatamente surge no meu pensamento ao ouvir essa canção. Acho que sempre será, já que foi você quem deu sentido a ela, para mim. Mesmo sem todos os beijos, a intimidade da cama, que confesso, cheguei a imaginar, fantasiar, desenhar, por muito pouco tempo, também admito. Houve rapidamente a percepção de uma incompatibilidade. Ou o receio de uma exposição que nos apodreceria, caso misturássemos o meu amor com o meu desejo. Eu sempre evitei a loucura das noites selvagens e fugi, entrei num táxi, não apareci. Sempre fiquei sabendo depois dos fatos apimentados. Eu me perguntava silenciosamente – e se eu estivesse lá? E se? Eu deixei a imaginação de lado. Intuitivamente, eu me exilava das madrugadas onde eu detectava qualquer situação onde eu pudesse causar qualquer desconforto. Para mim, principalmente.
É uma música que ao te escrever essa carta, deixa de ser secreta, ainda que nunca tenha escondido esse fato. Mas como o amor foi meu, os mecanismos e os falsos mecanismos de defesa volta e meia, me derrubam em alguma armadilha vagabunda. Feito essa canção.
Você sempre reagiu ao meu amor sendo o melhor amigo que alguém poderia ter. Essa foi a maneira que você encontrou de não me deixar escapar, de não me magoar, de tentar me preservar ao redor, ao lado, feito um porto que é seguro, você mesmo usa essa metáfora, acho bonito. Você sempre reagiu carinhosamente cada carta, cada e-mail, cada texto, cada frase, mesmo quando não imediatamente, no momento que você julgou exato, necessário. Sempre foi íntimo, mesmo sem esse coisa de entrar e sair um do outro, mas sempre íntimo, no sentido de confiar, de confidenciar, de apostar no outro como o amigo, o melhor amigo, que você soube me transformar e principalmente, manter. Eu nunca soube o que fazer com o meu amor. Sempre um fantasma, vagando por corredores enormes, à espera de qualquer susto, qualquer iniciativa, qualquer surpresa que não veio. Nunca virá. À espera. Feito alguém cheio de fé em alguma coisa invisível que não se explica e do qual nada sabemos, nada, crente, cheio de uma esperança que se renovava. E me dava material para escrever e traduzir os rasos conflitos comuns de alguém apaixonado por alguém que não é apaixonado por ele de volta.
É uma história clássica, cheia de retóricas e alguns momentos de sinceridade impiedosos, constrangedores, caso eu ligasse para a opinião alheia. E que durou, vem durando, dura mais tempo do que deveria, mereceria. Você ainda é o cara do qual eu me lembro com carinho e alguma propriedade ao ouvir uma canção em Glee. Você ainda é minha primeira opção para dividir uma alegria, uma conquista, um brinde. E também as decepções, as reclamações, as chatices dos dias. Não há mal algum nisso e embora tenha durado tanto, essa é uma das raras vezes que me sinto deslocado, como se falasse sozinho e o som da minha voz ecoasse para evidenciar o espaço que existe. Talvez tenha sido sempre assim. Eu declarando o que havia para declarar para uma parede, que não me retorna o afeto, que recebe e recebe e recebe, mas não vai responder. É uma imagem triste e também patética, se eu quiser ser cruel. E eu nunca tinha imaginado esse quadro dessa forma.
De qualquer maneira, eu queria te dizer um monte de coisas. Eu sempre evito usar ‘coisas’ porque acredito que todas elas tenham um nome. Mas acho que é hora de uma conversa, ao vivo, longe do romantismo fake das cartas e textos, para que eu possa seguir e seguir e seguir. Sem você numa sala vazia. Sem sala vazia. Sem você. Sem você ocupando um lugar que você nunca ocupou e nunca quis ocupar e que eu te coloquei, egoísta que sou. Me perdoe por isso. E obrigado por isso, também.
Os vídeos das versões citadas. Espero que ainda possamos acessá-los sem ferir direitos autorais, apenas ouvir, conhecer, recomendar.
Glee:
E a Leona Lewis, ao vivo: