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sexta-feira, novembro 22, 2013


FRANCES HA de Noah Bambauch


Para ler antes, durante ou após Chasing the Sun, da Sara Bareilles
Para o Pedrinho Nascimento, que me apresentou ao The Blessed Unrest da Bareilles

Começamos a nos falar virtualmente. Um amigo do amigo que viu um comentário, aí o outro comentou o comentário, brotou um sorriso, dois dias depois ele vira um contato na minha lista e eu demorei a aceitar, confesso, a vida virtual anda tão lotada de pessoas que estão ali, mas não estão ali. Elas são um número a mais, elas raramente socializam, você as tem ao redor, você sabe da presença delas e eventualmente até quer bem grande parte dessas pessoas, mas não sabe mais se tem ou não algum traço em comum, algum resquício de bem querer porque cada um foi construir suas vidas. Mas a gente sabe deles. Eles sabem de mim. E vamos em frente, nos parabenizando nos aniversários, nos curtindo vez ou outra, em silêncios que nem incomodam mais. Curtir é um verbo silencioso. Você curte e não precisa mais dizer o que quer dizer aquela curtida naquele momento daquele dia. Smiley faces.

Eu percebi que ele era um cara mais jovem. Falo de idade. As referências musicais eram também mais atuais. E eu não conheço muito das milhares de bandas da atualidade. Eu sou um cara que ainda tem alguns discos em vinil. Algumas fitas cassetes também. E eu gosto das canções algumas vezes só pela melodia. Outras tantas vezes pelo que elas dizem. Mas eu gosto das canções. Só não tenho essa manha da velocidade de todas as coisas, eu não sei ouvir tantas bandas, eu tenho um ritmo menos acelerado.

Eu percebi. Que ele era um rapaz com predileções que esbarravam nas minhas. Não que isso seja importante. Facilita o momento inicial de se aproximar – embora eu ainda hesite, eu estive anestesiado tempo demais. Houve um momento de encantamento – há – e passamos a nos escrever. Ele me deixava uma mensagem de como estava o seu dia. Nem sempre eu pegava na hora. E eu respondia logo depois, outro parágrafo, breves impressões sobre o dia.  Eu gosto da palavra escrita. Ela promove intimidade. Ela aproxima e cria história quando história ainda não há. A palavra escrita revela beleza. Ela maltrata também, mas não nesse momento, nunca no despertar.

- Topa tomar um café?

Eu topei. 

Mas era uma tarde quente, véspera de feriado, a cidade parada. A cidade em movimento parada. Eu consegui chegar ao lugar marcado com atraso. Ele me ligou com a voz mais doce me informando que não ia conseguir chegar porque a,b,c. Eu disse que sentia muito, mas que o nosso timing não tinha sido dos melhores. A cidade não é das melhores. O Rio de Janeiro está em obras e não há estrutura nenhuma para que a população transite pelos lugares em obra. Fui rápido. Queria que ele percebesse que essas coisas acontecem. E bola para frente.

- Tudo bem se eu te ligar mais tarde?
- Tudo.

Eu tomei um banho. Acendi um cigarro. Peguei um livro. Algumas páginas depois, ele me liga e eu atendi desligando. Porque a tecnologia me confunde sim. Apertei o mesmo botão duas vezes. Ele liga novamente e a conversa começa ao som das risadas. A conversa começa fácil. Esse sempre foi um fator determinante em qualquer relação que tive – amorosa ou não – a facilidade de se comunicar. Não só de se entender. Mas de se comunicar. De perceber o que o outro está dizendo. De me fazer compreender sobre as palavras que eu falo. Não sei precisar quanto tempo durou a conversa. Ela tinha uma velocidade particular. Ela era serena e cuidadosa. Mais atenciosa que cuidadosa porque estávamos muito à vontade. Dois dias depois, um café.

Eu estou sempre em busca. De um novo livro. Um novo filme. Uma nova canção para adorar. Um velho amigo para renovar o amor. Um novo amigo para apostar a cegueira. Eu estou sempre em busca de um coração aberto. Esse é um tipo de filosofia inconsciente que eu carrego: eu desejo corações abertos. Para ser meu amigo, meu amor, meu companheiro, meu semelhante. Eu tenho pavor dessa nova onda do ‘odeio, não quero, é ruim, medíocre’. Tenho pavor dessa onda que exclui o olhar generoso, mesmo quando o que é recebido não agrada. Há generosidade também no não. Implico muito quando há o descarte, muitas vezes pré-concebido, só por birra. Implico comigo, sobretudo.  Eu tenho pavor de me transformar na pessoa na defensiva de qualquer afeto, de onde quer que venha.

Eu estou sempre em busca. Do próximo abraço. Da próxima conversa sem fim. Do momento da percepção. Aquela fagulha gerada por um aprendizado do dia, do minuto, do agora. Em busca de velhas sensações para despir. Em busca da voz nova que revive a canção antiga. Do avesso que coloca novamente as coisas em ordem, sob outro ponto de vista. Do que parece igual, mas é diferente pelos infinitos mini detalhes que só você, que só o outro sabem. O tal universo particular. O monólogo da Frances Ha, aquele universo paralelo.

Eu estou, sem vergonha, sempre em busca. De nada. De qualquer sensação dentro de um filme, dentro de um show, dentro do carinho da família, dentro dos olhos da minha avó, cada vez menos lúcida, cada vez menos e todos os dias eu me despeço dela porque amanhã eu não sei se ela vai lembrar quem eu sou. Sempre em busca sem ser Poliana. Atento, presente, filtrando o que me interessa agora sem descartar o que pode vir a me interessar em outro momento. Cada vez menos certezas certeiras. Cada vez mais o peito aberto para o momento presente, tentando me adaptar sem sofrer porque estar em busca exige uma certa coragem. A coragem de se colocar em movimento. De não afundar na estática. De se exigir. De desfrutar a rotina, questionando a rotina.

O primeiro encontro teve risada. O som da risada ao vivo era mais legal que o som da risada ao telefone. O primeiro encontro teve um brinde. Teve uma ou outra constatação de que os olhos nos olhos, o volume da voz, a vida na prática é muito mais generosa que qualquer internet banda larga, que dezenas de e-mails trocados, que duas dúzias de telefonemas na madrugada solitária. Teve aquele primeiro momento quando a mão dele esbarra na minha mão e a temperatura da pele dele é quente, como eu previ e a minha temperatura é quente, eu já fui a 3 médicos para saber se isso é normal. E algumas garrafas de cerveja porque o Rio é muito quente para tomar um café em novembro, talvez numa novela isso caiba, na minha não. E porque eu gosto de beber e isso é fundamental que ele ou você saibam no olá.

O primeiro encontro reprisou algumas cenas de antigos encontros, inclusive o desconforto inicial. A tentativa de preencher o silêncio com silêncio, algumas vezes. E fazer com que aquela intimidade virtual tomasse conta dos espaços entre. O primeiro encontro também fez o coração acelerar e a testa suar, mas depois a imprevisibilidade foi tumultuando ou acalmando os ânimos e fomos nos revelando tal como antes. O primeiro encontro de muitos encontros.

Fora do computador, a vida se revelou mais amável.

E a busca também se revelou mais intensa.

Do lado de fora do lado de dentro, a fragilidade existe com mais nitidez. Do lado de dentro do lado de fora, a gente se protege mais e existe menos, mesmo achando que não.  Eu transito entre os dois lados. Em busca. E volta e meia, alguém estende um abraço.

- Quer dançar?
- Quero!